Tenho a impressão de que tempos pandêmicos nos tornam nostálgicos. Outro dia, estávamos em uma roda de amigos, mantendo o prudente distanciamento sanitário, mas preservando a proximidade afetiva, e começamos a falar do passado, que se torna tão mais doce quanto mais distante fica. “Como éramos bobos”, alguém comentou, em meio a um suspiro.
Lembrei de quando cursava a oitava série do Colégio Amstad, que se encarapita nos altos do IAPI, Alim Pedro acima, incrustado entre dois monumentos à fragilidade da vida humana: o Postão do Inamps e o Cemitério São João. Formamos, na aula, um grupo de cinco amigos, estávamos sempre juntos e nos achávamos poderosos como só os adolescentes podem ser. Havia também uns dois ou três caras mais velhos que se refugiavam nos cantos da escola para fumar escondido e conversar conversas proibidas sobre as meninas da aula. Nós gostávamos de nos reunir com eles, aquela aragem de ilicitude que os cercava fazia com que nos sentíssemos muito adultos.
Um dia, conversávamos com o mais velho da aula, um tipo meio galã, que fazia sucesso entre as gurias. Ele contava uma palpitante história de conquista amorosa. Nós ouvíamos sentados em círculo, debaixo de uma árvore, numa espécie de chafariz desativado ou coisa parecida. Era segunda-feira e, no sábado, ele encontrara uma colega numa festinha. Ele descreveu como se aproximou da garota, o que disse para ela, o que ela disse para ele e como foram para um lugar mais reservado, escuro, só os dois... Nós ouvíamos de olhos arregalados, em suspense. Não era possível que um amigo nosso tinha TRANSADO com uma mulher. Tratava-se de algo realmente espetacular.
Ele continuou a narração. Falava em meio a pausas aflitivas, fornecendo pormenores que nos faziam uivar. Ele e ela estavam no canto de um quarto, ele teve a ousadia de tentar abrir as calças dela, ela permitiu, ele abriu, ele escorregou a mão para dentro e então...
E então?...
Então???...
“Vocês nem imaginam o que aconteceu...”, disse ele, balançando a cabeça.
“O que aconteceu?”, gritamos todos. “O que aconteceu???”
“Caras...” - ele respirou fundo. Esticamos os pescoços em sua direção. Ele arrematou, dando um soco na mão: “Ela estava monstruada!”
“Oh, não!””, exclamaram os meus amigos. E eu, olhando para eles, repeti: “Oh, não! Oh, não!”
Mas saí dali sem fazer a menor ideia do que poderia ser uma mulher que estivesse “monstruada”. Lembro de quando descia pelo morro do Alim Pedro, em direção à casa da minha mãe, com minha pastinha debaixo do braço. Ia pensando naquilo: “Mulher monstruada, mulher monstruada...” Um troço meio assustador, sem dúvida. Cheguei ao meu quarto, corri para o dicionário. Não existia o verbete “monstruada”. E a enciclopédia? Olhei. Nada. E agora? Não ia perguntar uma sem-vergonhice dessas para a minha mãe.
Fiquei com aquela dúvida zunindo no cérebro. Olhava para as gurias do bairro com certa desconfiança. Quer dizer que elas se monstrificavam ou qualquer coisa do gênero? Preocupante.
Demorei um tanto para descobrir a resposta, mas aí a aura de mistério que envolve as mulheres já estava formada na minha alma. Para mim, elas se tornaram seres enigmáticos. Éramos, realmente, bobos, naquele tempo sem pandemias graves e comunicações rápidas. E... bem, confesso: ainda somos.