Estava vendo um filme com meu filho, nós dois aboletados no sofá da sala. Em certa cena, a protagonista diz o seguinte, a respeito de outro personagem:
- Ele é um idiota estúpido!
Meu filho contraiu as sobrancelhas.
- Idiota estúpido? - estranhou. - Como assim, “idiota estúpido”, papai? Não é a mesma coisa?
Eu, sem tirar os olhos da TV:
- Sim, são sinônimos.
- Então, por que ela disse idiota estúpido? Se ela disse isso, é porque tem diferença entre o idiota e o estúpido, não é?
Eu, tentando ouvir o que se falava no filme (e não conseguindo):
- É...
- Então, me diz - prosseguiu ele, para meu desespero. - O que é pior? Ser idiota ou ser estúpido? O estúpido é um burro, não é? E o idiota?... O que é o idiota, papai? É só uma pessoa ignorante? Ou é um burro também? Hein, papai?
- São sinônimos! - repeti, esforçando-me para compreender uma cena importante que se desenrolava no filme (e não conseguindo). - Sinônimos! Cristo!
- Mas eles têm de ser diferentes. Porque, se são sinônimos, é como se ela falasse: “Ele é um idiota idiota”. Ou: “Ele é um estúpido estúpido”. Não faz sentido, papai...
- Deixa eu ver o filme, guri! - esbravejei, definitivamente irritado.
Ele se se encolheu no sofá. Murmurou:
- Tá bem, tá bem...
Suspirei, aliviado. Mas sabia que ele não estava satisfeito. Ele se remexeu um pouco, coçou a cabeça, coçou o queixo. E arremeteu:
- Será que não seria melhor ela dizer “ele é muito estúpido?” Ou: “Ele é muito idiota?”
Percebi que ele não ia desistir. E que eu não conseguiria assistir ao filme, se não resolvesse aquela maldita dúvida. Tirei os olhos da TV. Olhei para ele. Sentenciei:
- Tu está certo, guri: o idiota é um ignorante, um cara que não sabe das coisas por falta de informação e cultura. O estúpido é um burro, uma pessoa com dificuldades pra compreender as coisas, mesmo que seja informado sobre elas.
- Ah... - ele sorriu, contente, afinal.
Então, jogou a concentração na luz da TV. Eu também. Graças a Deus. A ação foi em frente, no filme. De repente, a protagonista disse para uma amiga:
- Eu o amo, mas não posso viver com ele.
Estremeci. Achei que a contradição poderia açular outra vez a curiosidade do guri. Não deu outra. Ele se empertigou o sofá:
- Por que ela não pode viver com ele, se ela o ama?
Respirei fundo. Olhei para ele:
- Não está na hora do teu banho?
Ele pensou por cinco segundos.
- Deixa eu terminar de ver o filme - respondeu, grudando os olhos na tela.
E a paz, enfim, se instaurou na sala de estar.
Como consegui essa façanha? Usando a técnica que aprendi para acabar com as discussões nos grupos de Whats App e nas redes sociais: quando você sentir que a polêmica vai começar, fale de outro assunto, algo que seja levemente incômodo para o candidato a debatedor. Ele vai parar de incomodar, pelo menos por algumas horas. O mundo virtual pode ser útil na vida real.