As esquerdas brasileiras estão, como diria Olívio Dutra, esgualepadas. Mas descobriram uma forma de resistência acantonando-se na formação da chamada “frente ampla”, em que todos os partidos desse vetor político atuam em favor de uma única candidatura.
Essa estratégia, quem primeiro a empregou foi Carlos Lacerda, quando, em 1966, tentou se consorciar a Jango e Juscelino para enfrentarem a ditadura militar. Lacerda achava que haveria eleições no ano seguinte e que um movimento liderado pelos três seria imbatível. Brizola foi contra o acordo, parte do PCB também. Eles alegavam que Lacerda só fazia essa pregação de paz entre as oposições porque queria ele próprio se tornar presidente da República.
Era verdade, Lacerda trabalhava em seu benefício, mas essa discussão se tornou obsoleta em pouco tempo, porque o regime foi emitindo um Ato Institucional após o outro e, com eles, apertou paulatinamente o torniquete legal em torno dos políticos. Logo, os brasileiros descobririam que não haveria mais eleições diretas para presidente, e esses três grandes personagens da frente ampla, exilados e esquecidos, se tornariam figuras do passado. Dez anos depois, estariam todos mortos. A coincidência de as mortes terem ocorrido em datas próximas umas das outras, entre agosto de 1976 e maio de 1977, motivou suspeitas: o medo da frente ampla teria feito o regime eliminar fisicamente os líderes opositores?
Nada jamais ficou provado, mas as teorias conspiratórias ajudaram a mitificar a frente ampla.
Agora, a frente ampla da esquerda se transformou em opção devido ao desmoronamento do PT. Com o PT forte, não haveria motivo para conceder espaço a legendas menores, que funcionavam como satélites dos governos Lula e Dilma.
Houve, então, uma intensa mobilização principalmente por dois nomes, ambos de fora do PT: Boulos e Manuela. Artistas, professores universitários, jornalistas, a elite intelectual quase que inteira se excitou com as chances de Boulos e Manuela, que anteriormente já haviam sido ungidos por Lula.
Há, nas redes sociais, um vídeo impressionante em que Caetano, Chico Buarque e outros artistas cantam o jingle de Manuela. Parece coisa de campanha presidencial, tantas são as personalidades de prestígio que aparecem pedindo voto.
Por que todo esse esforço para eleger uma candidata à prefeitura da periférica Porto Alegre?
Porque Manuela seria líder da novíssima frente ampla, junto com Boulos.
De fato, a ideia da frente ampla alcançou sucesso entre as esquerdas. O problema é que foi só entre as esquerdas. Os convertidos se levantaram; os não convertidos ficaram indiferentes. Mesmo que tenha rechaçado a ultradireira bolsonarista, a massa silenciosa não se sensibilizou com a pregação das elites intelectuais e preferiu se concentrar em candidatos menos polêmicos.
A eleição de Porto Alegre serve de parâmetro para todo o Brasil. O raciocínio é o seguinte: qual é o tamanho das esquerdas reunidas em Porto Alegre? Cerca de 25% do eleitorado. É isso o que um bom candidato conseguirá atingir, mesmo que conte com infraestrutura sólida, dinheiro às catadupas e apoios reluzentes. É o máximo que o máximo esforço poderá alcançar. Assim será no resto do país.
A frente ampla não será suficiente para dar vitória às esquerdas esgualepadas do Brasil. Porque não adianta mais mudar a embalagem. É preciso mudar o produto.