Vi as cenas da Praia do Rosa no feriadão santo de Nossa Senhora da Aparecida. No tempo em que morava em Santa Catarina, diriam que o Rosa estava “craudiado”. Todos aqueles corpos seminus aglomerados sob o sol. Poucas vezes encontrei uma praia catarinense tão cheia de gente e, olha, conheço profissionalmente as praias catarinenses. Em meados dos anos 80, trabalhei no Jornal de Santa Catarina, de Blumenau. Numa primavera, fui encarregado da pauta dos sonhos: percorrer todas as praias do Estado a fim de preparar reportagens para o caderno de verão.
Saíamos, eu e o repórter fotográfico Ezequiel Passos, meu amigão, de praia em praia, experimentando a textura das areias, a doçura das caipirinhas e o tempero das comidas locais, conversando com as moças em roupas sumárias que douravam à franja do oceano e, às vezes, até batendo uma bola com os banhistas ou com os pescadores. Não lembro quanto tempo levamos para cumprir a tarefa, se foi um mês, dois ou três, mas lembro que nos divertimos muito.
Claro: naquela época, as belíssimas praias catarinenses não estavam tomadas de paulistas e gaúchos, como estão hoje, mas desde então continuo frequentando aquele naco do litoral. Por isso, posso dizer que, ainda que não vivêssemos as agruras de uma pandemia assassina, a visão do Rosa no feriadão seria impressionante. O que me faz pensar em como será o verão de 2021.
A verdade é que os jovens brasileiros perderam o medo do corona. Jovens, ao natural, já são destemidos, jovens se julgam imortais como o Grêmio e invencíveis como Muhammad Ali, mas, no caso do corona, ocorreu também o fenômeno da saturação. Chega um momento em que você se cansa de tomar cuidados, você quer voltar a viver, e sem essa história de “novo normal”. As pessoas querem “o normal”, e pronto. Elas querem estar perto das outras pessoas, querem poder se reunir, se tocar e trocar perdigotos, se for necessário. É o que elas estão fazendo. Os jovens, pelo menos.
Então, o verão de 2021 será o verão do desafio, com ou sem a vacina redentora. Quem optar pela vida praiana verá gente ousada à beira-mar. Não é por acaso que as alcinhas dos biquínis estão mais erguidas. Você, que não é atento ao mundo fashion, como sou, você não deve ter reparado, mas essa é a tendência: alcinhas erguidas. Elas subiram das imediações da região pubiana e escalaram as ilhargas. Estão encarapitadas lá no alto, sobre os rins. Por que isso? Porque dão mais agressividade à mulher que veste o biquíni. São mulheres que pisam no mundo com autoridade. Que tomaram o comando da civilização ocidental. Mulheres que proclamam: faço com minhas alcinhas o que bem entender.
Houve um tempo em que a moda foi igualmente arrojada: exatamente os anos 80, quando eu percorria as praias catarinenses com o Ezequiel. Eram os verões do biquíni asa delta, que assombrou e admirou o planeta. Por que isso? Por que os biquínis eram igualmente atrevidos três décadas e meia atrás?
Não foi por acaso.
Na segunda metade dos anos 80, o mundo estava atemorizado por outra epidemia, patrocinada por outro vírus: o HIV. Por algum tempo, a AIDS intimidou o planeta, a ponto de alguns defenderem a castidade como solução, assim como hoje é defendido o confinamento. Mas, depois de um período de horror, as pessoas se cansaram de sentir medo e voltaram ao normal. O velho normal. Era um atrevimento e, em consonância com esse sentimento, surgiu, glorioso, o biquíni asa delta.
Como aquele antigo verão, o de 2021 será o verão da audácia. Que, certamente, produzirá boas histórias. Mas talvez seja um pouco perigoso.