O homem é por natureza mau, como acreditava Hobbes?
Ou é por natureza bom, como acreditava Rousseau?
Quando sei de casos como o do comerciante que matou a tiros a cachorrinha de um menino, em Sapucaia do Sul, penso que Hobbes estava certo: o bicho homem é mau, como diria Blau Nunes.
Porém, assistindo ao vídeo que mostra a cena comovente do menino abraçado ao corpo ensanguentado da cachorrinha, chorando em desespero, vejo ali o amor da criança pelo seu bicho de estimação, e isso é bonito e bom. Aí, Rousseau é que parece ter razão.
Agora mesmo, estava falando com meu amigo Rodrigão e pensei: “Eis um grande camarada, vou lhe dar um milhão de dólares de presente”. No entanto, não tenho um milhão de dólares, então o Rodrigão ficou sem nenhum. Porque uma pessoa só pode dar o que tem. E uma pessoa só tem algo, se antes o recebeu de alguém. O homem que matou a cachorrinha não tem compaixão. Por quê? Porque não lhe deram, quando ele era menino.
Os meninos que recebem compaixão, amor, respeito e carinho terão estoques de compaixão, amor, respeito e carinho para dar ao mundo. Os que receberem violência e maldade terão violência e maldade. Não é por acaso que homens abusadores em geral foram abusados na infância.
Mas nem todos os que foram abusados se tornam abusadores, nem todos os que sofreram violência se tornam violentos. Às vezes, no meio do caminho, ocorrem intervenções que mudam o destino de uma pessoa. Um herói chega, cheio de amor no peito, e acode no último momento. Pode ser uma avó afetuosa que compensa o descaso dos pais. Pode ser um irmão mais velho que serve de exemplo e proteção. Pode ser uma professora.
Agora, sim. Nesse ponto, o microcosmo de Sapucaia do Sul se encontra e se funde com todo o Brasil. Porque o Brasil se tornou um país de famílias despedaçadas, que geram crianças que são criadas na rua, convivendo com todo o tipo de crueldade e desrespeito. E esse não é apenas o quadro das classes menos privilegiadas, como se pode pensar. Também os filhos de ricos e remediados vivem num ambiente de cinismo, de agressividade e de menosprezo pelo outro.
A verdadeira crise do Brasil não é a econômica, é a crise moral. A brutalidade e a falta de educação estão mais do que normalizadas, no Brasil. Elas são o modus operandi do próprio governo brasileiro. Basta dizer que o maior projeto do presidente da República é armar a população. Nesse contexto, um homem que se irrita com o cachorro de uma criança pode achar normal empunhar uma arma e matá-lo a bala.
Mas não imagine que estou livrando a esquerda dessa conta. Não. A esquerda, com seu pensamento intelectualmente arrogante, com seu comportamento excludente e com sua moral elitista criou os corvos da ultradireita belicosa. Bolsonaro não é uma proposta; é uma reação.
Tudo faz parte do mesmo pacote de falta de respeito pelas outras pessoas. Quem diz que não se senta à mesma mesa com fascistas não é muito diferente de quem diz que bandido bom é bandido morto.
Como isso poderia mudar, se a moral da família brasileira está a cada dia mais esgarçada? Volto ao ponto que citei acima, à frase decisiva deste texto: “Pode ser uma professora”.
A escola não substitui a família, nem deve ter essa função. Mas um professor que ame a sua profissão e tenha amor para dar pode fazer diferença. Pode mudar um destino. Pode ser um começo de formação de uma verdadeira nação.