Tenho pensado muito em Tusnelda. Ontem mesmo, ao acordar, abri os olhos e a primeira coisa que pensei foi:
“Por Tusnelda! Vamos nos erguer e vencer a batalha do dia!”
E me ergui e venci.
Mais tarde, estava jogando um xadrezinho on line e meu adversário, um ucraniano, veio com um gambito da dama. Gritei para mim mesmo:
“Por Tusnelda! Vencerei esse ucraniano sacripanta!”
Pois venci de novo.
Tusnelda, Tusnelda. É uma personagem de Barbarians, série bem curtinha da Netflix, tão-somente seis capítulos, e do tipo que gosto, porque trata de um evento histórico. É sobre um confronto que definiu o destino de parte do Ocidente, a Batalha de Teutoburgo.
Essa batalha é um clássico, germanos versus romanos. Sou germanos desde criancinha. Sempre torci contra os romanos, quero deixar bem claro. Acho que todo mundo torce contra eles, e é por isso que as historinhas de Asterix e Obelix fazem tanto sucesso. Só que os gauleses foram de fato submetidos por Júlio César. Os germanos, não.
Os germanos eram grandes, louros e ferozes, como se todos fossem Kannemanns. O problema é que lutavam uns contra os outros, o que dava vantagem aos disciplinados e eficazes romanos. Os germanos nem se consideravam germanos, na verdade. Quem os chamava assim eram os romanos. A primeira identificação deles como povo se deu exatamente na Batalha de Teutoburgo. Liderados por Armínio, eles dizimaram três legiões romanas, a XVII, a XVIII e a XIX. Mais de 20 mil romanos morreram ou foram reduzidos à escravidão, enquanto do lado germânico houve perda de apenas mil guerreiros.
A fragorosa derrota romana passou a ser designada como “O Desastre de Varo”, nome do oficial que comandava as legiões. O imperador Augusto, quando soube do revés, rasgou a toga que o cobria e passou dias sem se barbear. Por meses, ele volta e meia batia com a cabeça num pilar do palácio e gemia: “Varo, Varo, devolva as minhas legiões!”
Varo não podia devolver coisa alguma. Sua cabeça havia sido separada do corpo por um golpe de gládio e, depois, fora espetada na ponta de uma lança.
A vergonha dos romanos foi tamanha que as legiões XVII, XVIII e XIX acabaram abolidas do exército. Depois daquela batalha, os romanos, prudentemente, se mantiveram atrás do Rio Reno, o que propiciou grande distinção entre as culturas do Norte da Europa em relação à cultura latina.
Tusnelda teve papel importante na batalha, mas muito mais na série da TV. Ela é interpretada por uma jovem atriz alemã chamada Jeanne Goursaud. É uma loirinha de lábios cheios e olhar desafiador. Ela ganha a série. O espírito ancestral dos bárbaros germânicos parece que foi incorporado por ela, ela é uma valquíria destemida, indignada, resoluta, que sabe o que tem de ser feito. E faz. Na série, é ela que mostra aos germanos o caminho a seguir, e eles a seguem, mesmerizados por seu feitiço. Jeanne consegue dar vida a essa personagem e vira o centro da história.
Eu, aqui, no Sul do mundo, fui cativado por Jeanne, até porque ela me lembrou dos meus antepassados germânicos. Pensei que o velho sapateiro Walter gostaria de ver essa série de TV. Pensei que provavelmente ele também se encantasse com a loira Jeanne. E que, talvez, uma manhã, ele bem poderia proclamar, ao abrir os olhos pela primeira vez:
“Por Tusnelda! Vamos nos erguer e vencer a batalha do dia!”