Um dos mais interessantes berços culturais do mundo, a Ucrânia guarda uma série de mistérios. Até hoje, rituais pagãos e atos de bruxaria ganham registros nos jornais locais, e são esses elementos que inspiram o enredo de Desalma, série lançada pelo Globoplay nesta quinta-feira (22). Ambientada em dois períodos, em 1980 e 2010, a produção foi gravada em Antônio Prado e São Francisco de Paula, na serra gaúcha, cidades escolhidas pela produção da série em razão dos cenários naturais e da atmosfera que pode transitar entre o onírico e o sombrio.
As tradições ucranianas instigaram a autora do roteiro, a escritora Ana Paula Maia, assim que ela se mudou para Curitiba (PR), há quatro anos. A cidade tem alguns traços da cultura do país do leste europeu e, entre uma conversa e outra, descobriu Prudentópolis (cidade distante cerca de 200 quilômetros da capital paranaense), que tem 80% da população formada por descendentes de imigrantes da Ucrânia. Assim, Ana Paula imergiu em danças folclóricas, lendas e foi além: descobriu que o país é um dos berços da bruxaria e do paganismo.
— Aquela tradicional bruxa da floresta é de lá e era impressionante ter um pedaço dessa região no Brasil. Quando entrei em uma igreja com rito bizantino, idolatrando ícones, foi a coisa mais assombrosa que já vi. Eu precisava mostrar esse pedaço dentro do meu próprio país — explica Ana Paula, que também já visitou países como Croácia e Sérvia.
Esta parte obscura de Desalma está centrada na figura da bruxa Haia (Cassia Kis, em bela atuação). Nos anos 1980, a fictícia cidade de Brígida, no sul do Brasil, fica chocada com o desaparecimento da filha de Haia, Halyna (Anna Melo), durante a tradicional festa Ivana Kupala, na noite mais escura do ano. O corpo da jovem foi encontrado dias depois, no meio da floresta, e assim a celebração foi banida do local.
Passados 30 anos, no entanto, Brígida acredita que está na hora de retomar as festividades. Haia comemora o fim do ciclo de luas cheias que iluminaram o céu nebuloso desde a morte de sua filha. A bruxa está pronta para lançar um feitiço que evoque a alma da garota. Ao mesmo tempo, Giovana (Maria Ribeiro) volta a morar na cidade após seu marido, Roman (Nikolas Antunes), cometer suicídio em uma cachoeira da região – o homem teve um caso com Halyna no passado. Seu retorno conta com a ajuda de Ignes (Claudia Abreu), que fazia parte do grupo de amigos de Roman e Halyna.
— Por ser essa comunidade fechada e pequena, preocupada com tradições, Brígida é um grande confinamento, no qual as pessoas ficam tentando entender como seria do lado de fora. A série provoca com essa atmosfera dramática, porque o público vai se grudar muito nos personagens — aposta Claudia.
Silêncio
Logo no primeiro episódio, destaque para trilha sonora. Ou, melhor, a quase a ausência dela. Desalma teve consultoria do sonoplasta alemão Alexander Wurz, da série Dark, e explora o silêncio ao longo das cenas, para que a tensão seja criada gradativamente.
— O silêncio está na música o tempo todo, e diz muito. Em Dark, não era algo pontual e conseguimos fazer perto disso, bem longe de algo superficial e óbvio, misturando com referências de cineastas do leste europeu — destaca o diretor Carlos Manga Jr.
Esta tensão provocada pela inquietude, segundo Cassia Kis, faz um paralelo com o que ela passou durante a quarentena. A atriz perdeu a mãe há dois meses e, diante de diversas reflexões, tem percebido as transformações que serão relevantes para seus próximos trabalhos. A série, inclusive, já tem uma continuação confirmada.
— A força do amor e a sua relação com ser humano tá falando muito alto. E que bom que Desalma esteja acontecendo agora, é uma série muito forte, estou pronta para mais —garante Cássia.