Fui tomar um chope no Tuim, outro dia. É importante contar isso, esse chope representa muito, é o prenúncio da volta da liberdade. O confinamento está relaxando, para a maioria incauta já acabou e, assim, calculei: estarei em uma mesa ao ar livre, na base da Rua da Ladeira, olhando para a cúpula imponente da Catedral que foi plantada lá em cima, na mais bela praça do sul do Brasil, podendo caminhar alguns passos até contemplar os clássicos na vitrine do Beco dos Livros, podendo também deslizar até a histórica Rua da Praia, ali embaixo, estarei sob a luz da Lua, portanto, na calçada, rodeado de oxigênio sempre renovado, o que significa que não haverá perigo. Quer dizer: perigo, há. Sempre há. Vírus são bichinhos traiçoeiros. Mas, às vezes, na vida, temos de correr riscos, e eu precisava daquele chope.
Assim, fui.
Quando falo em chopes cremosos, amigo leitor, falo de uma experiência como a do chope do Tuim, que não é apenas um chope; é uma musse. Porque o chope, o verdadeiro chope, se bem tirado e bem servido, é a melhor bebida do mundo. Não me venham com champanhes borbulhantes, não me venham com vinhos densos, não me venham com scotchs de 25 anos, prefiro chopes gelados como os corações das mulheres que me esqueceram e dourados como as pernas das que não esqueci.
Então, lá estava eu, finalmente sentado a uma mesa de bar, depois de sete meses de reclusão, e bem na minha frente foi colocado um copo de chope.
Eu olhei para aquele copo de chope.
Eu sorri.
Eu peguei aquele copo de chope.
O copo de chope ficou firme entre meus dedos. Nada faria com que me distraísse e o deixasse cair no chão da Rua da Ladeira, nada, nem o trovão dos céus, nem a ordem do guarda, nem o ataque do tigre.
Uma vez que o copo de chope estava seguro, o passo seguinte seria conduzi-lo aos meus lábios. Da mão para a boca. Foi o que fiz. Durante esse trajeto, precisos 48 centímetros de distância, um filme passou na minha cabeça. Os sete meses de sacrifício voltaram à minha mente. Lembrei que, em março, nos diziam que a data-chave, o pico da pandemia, seria 6 de abril. Com o que, pensei: “Voltarei a tomar chopes cremosos tipo duas semanas depois, ali pelo dia 20”. Ledo Ivo engano. O dia 6 veio, o dia 7 se sobrepôs a ele, chegamos até o dia 20, e nada do pico. E os dias foram passando e minhas ilusões se esfarelando. Neste tempo todo, tenho me lambuzado com álcool gel, tenho dado banho nas compras, tenho lavado as mãos com muito sabão, esfregando entre os dedos, como ordenam os especialistas em lavação de mãos. Neste tempo todo, tenho usado máscaras de pano e papel, e meus óculos têm se embaciado quando respiro. Neste tempo todo, pronunciei palavras que nunca havia pronunciado, como “comorbidade”. Neste tempo todo, fiz perguntas que nunca havia feito, como: “Ele está assintomático?”. Neste tempo todo, engordei.
Neste tempo todo, sonhei com chopes cremosos, gelados e dourados. Como aquele que estava à minha frente.
Quarenta e oito centímetros e sete meses foram percorridos, por fim, e senti o frio da beira do copo em meus dentes e... sorvi o primeiro gole.
O que posso dizer sobre esse primeiro gole?
Direi que ele rolou docemente pela língua e desceu aveludado pela garganta e aí olhei para cima, para a ponta da cúpula da Catedral, e juro ter visto um raio de luz que lá brilhava e julgo ter ouvido o som de fanfarras e meus olhos se encheram d’água e pensei que a vida é boa e balbuciei, como numa oração: “Obrigado...”
Foi lindo.
Foi lindo.