Não me surpreenderei se os russos desenvolverem antes de toda a Humanidade uma vacina contra a covid-19. Trata-se de um povo disciplinado, que já sofreu muito e que já fez muitas coisas portentosas.
A dimensão dessa grandiosidade me atingiu em cheio assim que entrei em uma estação de metrô de Moscou, na Copa de 2018. Aquelas estações subterrâneas foram construídas pelo regime comunista para serem os “palácios do povo”, e são mesmo. A suntuosidade das mansões dos nababos do czarismo é reproduzida justamente no lugar onde mais circulam trabalhadores.
É uma obra de originalidade e cheia de significados. Você desembarca de um vagão, pisa na plataforma e fica embasbacado. É como se estivesse num salão do Hermitage, de São Petesburgo, só que dezenas de metros abaixo da superfície, em meio ao vulgo.
A literatura russa, de certa forma, é como uma dessas estações: ao mesmo tempo grandiosa e profunda, nobre e popular. O caráter da literatura demonstra o caráter de um povo. Você encontra, na literatura russa, contistas lapidares, como Gogol, mas sua força está na densidade de seus romancistas, e, nesta categoria, talvez Dostoievski seja o maior do Planeta Terra de todos os tempos, desde o Big Bang até a rodada vespertina do Gauchão, nesta quarta-feira. Dostoievski, Gogol, Tosltoi, Tchekov, todos eles são escritores de substância encorpada, são escritores de inverno.
Já os grandes brasileiros são os escritores solares. O maior romancista do Brasil, Machado de Assis, brinca com o leitor e com os seus personagens. É um pândego, o Bruxo do Cosme Velho. Agora, o estilo brasileiro por excelência é a crônica. Não fomos nós que a inventamos, foi o francês Montaigne, mas, como aconteceu com o futebol criado pelos britânicos, nós a sublimamos. O Brasil é o país do futebol, do Carnaval e da crônica. E o nosso Pelé é Rubem Braga. Digo sempre, e sempre direi, que Rubem Braga é o maior escritor do Brasil, além de ser o mais subestimado, porque só escrevia crônica.
Se você beber das crônicas do Velho Braga, compreenderá o Brasil, um país que consegue ser jovial e triste, delicado e mundano, um país em que tudo é breve como a leitura de jornal.
Nós amamos a brevidade e a leveza, e por isso mesmo temos dificuldades em alcançar façanhas coletivas, como mandar Sputnik para o espaço, vencer a Batalha de Stalingrado, cavar estações de metrô que se assemelham a museus ou desenvolver vacinas redentoras. Os russos, unidos, fazem essas coisas. Há quem duvide que os russos estejam mesmo com a vacina tão adiantada, pronta para ser distribuída em dias semanas. Eu acredito neles. Em agosto, teremos a vacina. Salve os russos, nossos salvadores!