Bernard Shaw estava dando uma palestra e um estudante lhe perguntou se era verdade que Homero não havia escrito a Ilíada e a Odisseia. Shaw ergueu uma sobrancelha e respondeu:
— É verdade. Não foi Homero quem escreveu a Ilíada e a Odisseia. Quem escreveu foi um homem que também se chamava Homero e que viveu na mesma época que ele.
Eis uma resposta perfeita para dar a esses historiadores que querem tirar o homem da história do homem. Eles procuram uma trama sem protagonistas, eles acreditam que tudo que acontece aconteceria de qualquer forma, mesmo que os personagens envolvidos no enredo não fizessem o que fizeram. É uma espécie de determinismo sócio-econômico, quase que uma crença no Destino, em Tupã, em Tutátis ou no Cavalo Celeste.
Para eles, Cleópatra era feia, Jesus não existiu e Shakespeare não era um, era muitos. Para eles, não há quem cometa façanhas, apenas há façanhas.
Uns chatolas.
Mas há de se admitir: é verdade que Homero não escreveu a Ilíada e a Odisseia. Porque ele era cego, registrava os poemas não em um livro, mas na memória, e saía pelas cidades da Grécia a recitá-los e a encantar toda a gente.
Antes de Homero, houve outro poeta que, de tão famoso, misturou-se com a mitologia. Chamava-se Tamiris e cantava como uma Elis. Certa feita, tornou-se campeão de canto nos jogos gregos e ficou todo exibido. Saiu pela cidade dizendo que cantava melhor do que as Musas. Não foi uma boa ideia. As Musas se enfureceram com a concorrência e o cegaram. Ao contrário de Homero, Tamiris abateu-se com a cegueira, atirou a lira em um rio e nunca mais cantou.
Outros poetas gregos daquela época também se mesclaram com a lenda, como, por exemplo: Dáfnis, que era cego; Teiresias, que, aliás, era cego; e Estesicoro, que, inclusive, era cego.
Por Santa Luzia, por que os poetas gregos eram cegos? Ciumeira das Musas, como aconteceu com Tamiris? Ou alguma doença da época, como dizem que acometeu Homero?
Há historiadores que afirmam que não foi nada disso. Os poetas gregos não eram cegos, eles ficaram cegos. Os reis das pólis gregas gostavam tanto deles que os queriam manter presos a seus reinos. Assim, para que os poetas não pudessem gozar de independência e sair lépidos pelas ilhas gregas, agradando a outros reis com seus belos cantos, os monarcas mandavam os esbirros lhes arrancar os olhos.
É a lógica do passarinho na gaiola: os bonitos são aprisionados, os feios podem voar em liberdade.
Mandatários que cobiçam, invejam ou temem o talento alheio são perigosos. No entanto, se o governante é bom, ele se cerca dos melhores. E os ouve. E pondera sobre o que dizem. Mas, se é inseguro, tenta destruir os que parecem melhores do que ele.
Bolsonaro, ao ver Mandetta crescer na crise do coronavírus, enciumou-se de sua popularidade e o repeliu. O país perdeu a orientação que tinha para combater a pandemia e o resultado foi trágico: agora, morre um brasileiro por minuto devido à covid-19. Enquanto isso, o ministro da Saúde é interino, as ações do ministério são erráticas e o presidente da República estimula aglomerações, contrariando orientações de cientistas do mundo todo.
Por que Bolsonaro não usufruiu do bom trabalho do seu auxiliar, em vez de sabotá-lo e, assim, sabotar a própria administração?
A resposta é óbvia: é porque Mandetta, como Tamiris, estava cantando melhor do que ele. Bolsonaro, temendo a concorrência de Mandetta, tentou arrancar-lhe os olhos. De certa forma, conseguiu. Mas acabou deixando o país em um rumo cego. Um morto por minuto. É um massacre. É uma guerra. E o governo não vê.