Nunca mais vou ver filme de amor. Nem de terror. Tomei essa decisão durante a quarentena. Mas, entenda, não sou contra o amor, embora seja contra o terror. De filme de terror, já contei, tenho medo. Vejo e, depois, sonho de noite. Mesmo assim, reconheço alguns clássicos do gênero. O Exorcista. O Iluminado. O Bebê de Rosemary. O Sexto Sentido e O Advogado do Diabo também são ótimos. Filmes que é preciso assistir, enfim, mas que não assistirei mais, para não me impressionar.
Tempos atrás, vi uma sequência de O Exorcista, o terceiro filme da série. Tinha uma cena filmada do fundo de um corredor de hospital. A ação se passa em silêncio, ao longe, a enfermeira atravessa de um quarto para outro e... No desfecho, dei um pulo da cadeira do cinema, mas um PULO! Todo mundo riu, na fileira de trás. Não esqueci mais daquela cena. Não vou descrevê-la para não dar spoiler.
Já os filmes de amor, desses não gosto mesmo, é muito mel, ainda que reconheça a beleza do amor e tal. Aliás, tenho bem aqui, sobre minha mesa, uma coleção de livros que gosto muito, seis tomos encadernados em couro marrom, Curso Prático da Língua Portuguesa e sua Literatura, de autoria de ninguém menos que Jânio Quadros. Sim, perplexo leitor, já tivemos presidentes letrados. Jânio prezava a última flor do Lácio, inculta e bela. É famosa aquela resposta que deu a um repórter que lhe perguntou por que bebia:
— Bebo porque é líquido. Se fosse sólido, comê-lo-ia.
Pois Jânio, nessa sua obra, explica a teoria poética tradicional, os versos dísticos, o terceto, a sextilha e por aí vai. E cita como exemplos doces poemas de amor, como esse no qual esbarrei ontem, de Garret:
“Este inferno de amar – como eu amo!
Quem mo pôs aqui n’alma... quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida – e que a vida destrói
Como é que se veio a atear,
Quando, ai, quando há ela de se apagar?”
Sei distinguir a beleza desses versos de amor, posso recitar poesias que tais, mas filmes, não. Não verei filmes de amor! Porque eles me aborrecem e não tenho tempo a perder. Eis o que é importante: há muito para ver e ler, há muito para avançar. Há quem esteja aproveitando a quarentena para aprender. Como os americanos. Eles descobriram ninguém menos que Machado de Assis durante seus dias de isolamento. Memórias Póstumas de Brás Cubas foi traduzido para o inglês, lançado no último dia 2 e esgotado no dia 3. “Um dos mais espirituosos livros jamais escritos”, festejou o crítico do New York Times. Fiquei orgulhoso. Peguei meu Memórias Póstumas da estante. Abri:
“Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem 50, nem 20 e, quando muito, 10”, escreveu Machado, por meio de seu personagem Brás Cubas.
Como estava equivocado o Bruxo do Cosme Velho. Agora, esse mulato gago e epiléptico, que foi vendedor de balas e sacristão, que era filho de um pintor de paredes com uma lavadeira, esse símbolo do povo brasileiro está conquistando o outro lado da América. E eu, em sua homenagem, vou tomar minha coleção de Machados, que tenho todos, e vou reler os que li e ler os que não li. Será uma linda quarentena.