Eu também não gosto do Andrew Jackson. Nesta terça-feira, ativistas americanos tentaram derrubar uma estátua dele, em Washington. Entendo por que: Andrew Jackson foi o presidente da Trilha de Lágrimas, que é como ficou conhecida a remoção dos índios de suas terras ancestrais ao leste do Mississipi. Jackson era um típico homem do Oeste, duro, honesto, mas de poucas luzes intelectuais. Era chamado de “Old Hickory”, Velha Nogueira, por sua rigidez de tronco de árvore. Foi talvez o mais encanzinado inimigo dos índios da história americana.
Mas, para o homem branco, sua administração foi boa. Tenho cá a ótima História dos Estados Unidos da América, de Morrison e Comager, clássico lançado em três tomos em 1950. Os autores finalizam assim o capítulo sobre a presidência de Jackson:
“Poucos presidentes fizeram tanto como ‘Old Hickory’, e somente Lincoln exerceu maior atrativo na imaginação popular. Andrew Jackson provou que o americano médio de caráter sólido e de senso comum podia conquistar, e estava apto a ocupar, o cargo eletivo mais poderoso do mundo. Mas todas as administrações democráticas que se seguiram à de Jackson, até chegarmos à de Wilson em 1913, foram menos democráticas que a dele”.
Jackson foi um herói para o americano do seu tempo. Não é por acaso que sua efígie está impressa na nota de 20 dólares.
Então, alguns gostam de Jackson; outros o odeiam. Eu não odeio nem gosto. Desgosto. Mas não deporia a sua estátua. Talvez, para não ferir suscetibilidades, a levasse para um museu.
Eis todo o problema dessa reavaliação dos monumentos históricos: quem tem o poder de decidir o que fazer com eles? Quem não gosta de Getúlio Vargas, por ele ter sido ditador, pode pulverizar a pedra em que está anexada a placa com sua carta-testamento, na Praça da Alfândega, em Porto Alegre?
Espero que não.
O governo brasileiro nomeou como presidente da Fundação Palmares um homem que repudia Zumbi, que foi, bem, o líder do Quilombo dos Palmares, que dá o nome à fundação. Ele pode, esse presidente que odeia o que preside, pôr abaixo a estátua de Zumbi, em Salvador?
Espero que não.
A quem daremos o poder de derrubar, remover ou manter monumentos?
Pensei muito a respeito, aqui, no recôndito do meu isolamento social, e cheguei a uma conclusão, que, modestamente, é brilhante:
Eu.
Eu sou a favor de que todos os monumentos sejam submetidos à revisão histórica, desde que EU tenha o poder de decidir o que será feito com eles. Se outros quiserem ter esse poder, sou contra. Mas, como sou eu, sou a favor. Que bela solução, essa minha.
Até já adianto algumas decisões que tomarei: todas as esculturas que foram deixadas no Marinha do Brasil pelas Bienais de Porto Alegre irão não para o fundo do Guaíba, onde assustariam os peixes, e sim para algum depósito remoto e hermeticamente fechado, no qual não possam ser vistas. Aquele monumento ao coronavírus, que se levanta da Rótula das Cuias, vai junto. E também a roda dentada com um carneiro no centro, que fica perto do Beira-Rio. Ainda não resolvi se as estátuas do Fernandão e do Renato ficam. Vou pensar. O resto vou deixar como está. Hoje estou de bom humor. Hoje.