A palavra zumbi apareceu grafada em língua inglesa pela primeira vez em 1817. E fez sua entrada no léxico da forma como ainda hoje é escrita: "zombie". Quem a redigiu foi o poeta e historiador Robert Southey (1774-1843). Rico, chique, culto e rebelde, laureado antes dos 30 anos, Southey criou o grupo Lake Poets com os gênios Samuel Coleridge e William Woosworth. Formado em Oxford (na qual disse só ter aprendido "um pouco de natação e de remo"), dono de fabulosa biblioteca com 14 mil volumes, Southey amava o Brasil (onde jamais esteve) e, ao longo de nove anos, entre 1810 e 1819, publicou uma admirável History of Brazil: seis volumes de prosa densa e fluente, baseados em exaustiva pesquisa documental.
Ao descrever em cores fortes a luta épica e a devastadora guerra que, após mais de cem anos de conflitos, dizimou o mais feroz e emblemático foco de resistência dos escravos no Brasil, o Quilombo dos Palmares, Southey chamou de "Zombie" o líder daquela comunidade – e tratou de lhe conferir foros de herói. Ao fazê-lo, não só imortalizou Zumbi, como incorporou ao vocabulário inglês a palavra originária do quimbundo que hoje tanto sucesso faz em filmes, séries e gibis, com o mesmo significado que sempre teve: "desmorto", "fantasma", "alma penada".
Ocorre que zumbi também identificava uma serpente sagrada e soa semelhante ao termo Nzambi, que designava uma divindade. Possivelmente o líder negro que, após a misteriosa morte da Ganga Zumba ("o Grande Lorde"), assumiu, em 1677, o comando do Quilombo dos Palmares tenha sido batizado em honra à antiga divindade, ou à veneranda serpente. Ainda assim, o significado mais corrente do termo – "desmorto" ("undead" em inglês) ajusta-se feito luva ao ruidoso silêncio com o qual a historiografia brasileira tentou calar a luta de Zumbi. Southey foi o primeiro a cantar a desassombrada bravura do líder dos Palmares. Pena que seu livro só tenha saído no Brasil em 1862, e ainda seja pouco conhecido.
Mas pelo menos desde 2003, Zumbi faz parte do panteão de heróis da pátria e a data de sua morte, 20 de novembro (de 1695), tornou-se o dia da consciência negra, sendo feriado em seis estados e centenas de municípios do Brasil. Claro que ainda há deputados que quebram placas contra a violência aos negros na Câmara Federal, e canalhas que os apoiam. Mas esses estão condenados a vagar pelo limbo feito almas penadas: walking dead.
Enquanto Zumbi vive para sempre.