O Cabeça gosta de beijar os amigos. Não só ele. O Ivan Pinheiro Machado e o Admar Barreto também trocam beijos ao se encontrar. Eles se conhecem desde a infância e se tornaram grandes amigos meus depois de adultos.
O Cabeça, que, a propósito, se chama Nelson Guhanon, pois o Cabeça, uma vez, nós estávamos saindo do bar, estávamos nos despedindo e o Cabeça beijou o Ivan e beijou o Admar e veio rindo para mim e brincou:
- O David não gosta de beijo.
Depois do que, beijou-me estalado na face direita.
Fiquei pensando naquilo, que não gosto do beijo dos amigos. Não é bem assim. É falta de hábito. Nada a ver com alguma ideia bolorenta de macheza ou de acreditar que beijar homem é coisa de gay. Não mesmo. É que, no IAPI, nós não nos beijávamos. Nunca ninguém sequer sugeriu essa possibilidade por lá. O Cabeça, o Ivan e o Admar são da Santa Cecília, decerto uma região mais amorosa da cidade.
Sei que os argentinos, inclusive, se beijam muito e jamais vi nisso algo estranho. Outro dia, o Tevez até deu um beijo na boca do Maradona, mas aí já achei uma demasia. É como certos pais e mães que beijam os filhos na boca – freudianamente falando, não me parece legal. O beijo na boca é um símbolo ocidental. Não é apenas troca de fluidos, é o toque das almas.
Agora, o pior são aquelas pessoas que beijam seus cachorros na boca. Extremamente anti-higiênico. Os animais, por mais que você os ame, carregam agentes de doenças que podem devastar o ser humano. Olha aí o corona, que provavelmente veio de um morcego. E isso que as pessoas em geral não beijam morcegos. Se beijassem, esse confinamento não terminaria mais.
Já decidi: quando tudo isso passar, Cabeça, vou te dar um beijo
Então, Cabeça, temos aqui uma fronteira: beijo na boca, não.
Se bem que, olha, refletindo sobre isso, tenho de admitir que ser beijado por um homem que não o meu filho me deixa realmente um pouco desconfortável. Então, confesso: o Cabeça tem lá a sua razão. Será isso produto da cultura latina-machista-patriarcal-chauvinista? Será um defeito de caráter que deva desentortar?
A questão é que, agora, nenhum beijo pode. Nem na boca nem no rosto nem na mão, nem de homem, nem de mulher, nem da irmã, nada. Também não pode abraço, e nós somos um povo que se abraça. Até mesmo o aperto de mão está banido. Precisamos nos relacionar a uma distância que nos preserve do hálito do outro, conversando de longe, sorrindo triste.
Perdemos, assim, a nossa característica do homem cordial, que faz tudo mais com o coração do que com a cabeça. Perdemos a nossa essência. Triste vírus esse, que mata a nossa brasilidade. Já decidi: quando tudo isso passar, Cabeça, vou te dar um beijo.
A luz
Temos um grupo de WhatasApp do Sala de Redação. Na manhã deste domingo, mandei para o grupo um recorte da matéria de GaúchaZH em que Paulo Guedes anuncia que o governo pretende adquirir milhões de testes de imunização contra o corona. A ideia é testar 40 milhões de brasileiros por mês e dar "passaportes de imunização" para quem der negativo. Ou seja: os imunizados voltam às atividades e a "vida normal" vai sendo retomada aos poucos. Faz semanas que repito que é essa a solução para a crise, que é essa a luz. Então, escrevi para os sacripantas do Sala:
"O governo levou duas semanas para ver que eu estava certo. Vocês levam anos".
Quer dizer: o Brasil será salvo e eu sabia como teria de ser. E agora, para desespero do Maurício Saraiva, vou provar que o Grêmio tem de jogar mesmo é com três volantes.