Quando meu filho Bernardo se queixa da vida, que até os meninos às vezes se queixam da vida, repito a história de uma palestra que fiz, em novembro de 2012, para crianças surdas. É estranho você dizer que falou para surdos, mas foi exatamente o que aconteceu. Eu falava e a professora Andréia Didó traduzia para a linguagem dos sinais. Para mim foi um evento proveitoso, porque aprendi bastante com eles, certamente mais do que eles comigo.
Mas o que sempre conto ao meu filho é a história de um daqueles alunos em especial, um menino que havia nascido com uma síndrome incurável. Por causa da doença, ele fora abandonado pelos pais ao nascer. Com dois anos e oito meses, um casal o adotou e passou a cuidar dele.
Na crônica que escrevi a respeito, no dia posterior à palestra, relatei o seguinte:
“Era um garotinho muito inteligente, muito vivaz, muito participativo. Estava instalado na primeira fila, fazia perguntas e, quando soube que eu ia falar de pé, fez questão de pegar a cadeira que fora reservada para mim, só porque era onde deveria sentar-me. Gostei de imediato daquele menino tão espirituoso.
No final do encontro, ao ser acompanhado pela professora pelo pátio da escola, fiz algumas perguntas sobre ele. Soube, então, que o menino é portador de uma síndrome e que está ficando cego. A missão da professora é ensinar-lhe o quanto antes a linguagem dos sinais e o alfabeto, para que ele possa reconhecê-los pelo tato.
Cego, surdo e, por consequência, mudo. Meu Deus. Pensei nas minhas aflições e senti vergonha.
Na saída, com o coração apertado, insisti:
– Mas a cegueira é irreversível? Não tem cura? Não há nada que se possa fazer?
– Não tem... – disse a professora. – A família já tentou tudo.
Ela abriu o portão e eu o cruzei. Da calçada, fiz uma última pergunta:
– Como ele é no dia a dia?
Alguns problemas nem problemas são: são meros obstáculos, que você contorna ou evita ou passa por cima.
A professora sorriu e deu a última resposta:
– É um menino muito feliz.
Fui embora, deixando, ao pé do portão de ferro, um pedaço de mim”.
O que quero dizer para o Bernardo com essa história, obviamente, é que você é quem torna os seus problemas fáceis ou difíceis. E que, mais do que isso, alguns problemas nem problemas são: são meros obstáculos, que você contorna ou evita ou passa por cima.
Agora, troca a tela.
•••
Outro dia, estava fazendo um lanche com o meu filho em um shopping de Porto Alegre e um homem veio falar comigo. Apresentou-se como Alessandro Castro, pai do João Vitor, o menino sobre quem escrevi há oito anos.
– Ah, aquela história que tu sempre conta! – exclamou o Bernardo.
Fiquei feliz de conhecê-lo. Ali estava um homem que havia adotado uma criança surda, com outros sérios problemas de saúde e que, segundo os médicos, ficaria cega. Ao lembrar disso, hesitei um pouco antes de perguntar, mas perguntei:
– Como está o João?
– Está muito bem! – respondeu o pai.
Vacilei mais um instante.
E arrematei:
– Ele… ficou cego?
– Não! A visão é limitada, mas ele se vira. Passou por vários tratamentos e, para a surpresa dos médicos, respondeu bem. Gosta de praticar esportes, está no segundo ano do Ensino Médio e quer fazer Educação Física.
Tive vontade de abraçar aquele pai herói. Cumprimentei-o pelo sucesso e disse que aquela novidade havia iluminado o meu dia, o que é a límpida verdade. Quando ele se foi, meu filho comentou:
– Que bom que o menino está bem. Acho que a alegria o ajudou a se curar.
Concordei. Era exatamente isso. A alegria cura.