Logo depois do Natal, o cão Pirata, que tem um olho de cada cor, foi devolvido à Diretoria de Bem-Estar Animal (Dibea) de Florianópolis, Santa Catarina. Um dos motivos apresentados pela família que o adotou com 45 dias, há quase um ano, foi a dificuldade em lidar com a surdez do animal.
A devolução de Pirata comoveu a equipe da Dibea, que iniciou uma campanha nas redes sociais, sensibilizando muitas pessoas. Foi assim que João Gabriel Ferreira, 30 anos, ficou sabendo do cãozinho, que compartilha da mesma deficiência que ele.
Natural do Rio de Janeiro e morador de Florianópolis há nove anos, o doutorando em estudos da tradução na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) mora com outras duas pessoas surdas e um ouvinte filho de pais surdos. Mesmo já tendo uma cadela, João tinha muita vontade de adotar um cachorro que, assim como eles, fosse surdo.
Sabendo do interesse do estudante, um dos amigos lhe avisou sobre Pirata. João entrou em contato com o abrigo e se candidatou para adotar o cão — que hoje tem 11 meses. A ficha do doutorando chamou a atenção dos funcionários do Dibea durante o processo de avaliação, que durou três dias.
— Como ele já tem um animal e já treina esse animal com os sinais, ele era o melhor candidato — explica Gioconda Dalsasso, coordenadora do Dibea.
Então, desde a última quinta-feira (9), o cão está com a nova família. E ganhou também um novo nome, escolhido por João.
— Uns dias antes de saber dele, eu estava lendo sobre um tipo de olho: Jögan. É de anime japonês. E ele apareceu com esse tipo de olho, me lembrou de anime! — conta.
Segundo o estudante, a adaptação está indo muito bem e Jögan se dá bem com Gabi — a outra cadela:
— Estamos adorando ter ele. Lidar com um cachorro surdo não é difícil para a gente, porque temos as mesmas dificuldades, temos as nossas próprias "estratégias surdas" de sobrevivência, e fazemos o mesmo com o cachorro.
João está, inclusive, ensinando sinais da Língua Brasileira de Sinais (Libras) para o novo amigo. Bem comportado, Jögan já sabe também algumas estratégias para pedir para sair, passear, ir para casa e não pode. Quando faz os sinais para Gabi, que já domina os comandos, o novo amigo aprende junto.
Dificuldade nas adoções
De acordo com a Dibea, o processo de avaliação dos candidatos é bem rigoroso. Além de responder um questionário e passar por uma entrevista, a residência do possível dono passa por uma vistoria — se houver divergência em relação ao que foi respondido, o animal retorna ao abrigo.
Essas providências são tomadas para traçar o melhor perfil de animal para aquele dono, com o objetivo de tentar evitar que ocorram casos como o de Jögan. Mesmo assim, segundo Gioconda, casos de devolução são bastante comuns:
— Muita gente quer ter um animal, mas não considera a responsabilidade de ter um. Nosso intuito não é somente encaminhar (a adoção), e sim encaminhar de forma responsável.
Também já aconteceram casos de devolução por deficiência. A coordenadora conta que os animais cegos, amputados e mais velhos aguardam muito mais tempo pela adoção. O abrigo tem, em média, 140 animais — gatos e cachorros — recolhidos de situações vulneráveis. Desse total, a maioria é adulto, macho e de porte médio: o perfil que as pessoas menos buscam.
— As pessoas ainda fazem a escolha pela estética. A deficiência e a idade do animal são obstáculos, eles vão ficando para trás — lamenta.
Já o doutorando acredita que, para permanecer com um animal nessas situações, basta tentar outras estratégias de adequação:
— Se fosse uma criança surda, a família não se adaptaria também? São seres vivos, não produtos.
*Produção: Jhully Costa