Cara engraçado é o Mauro Leão. Ele trabalhava na rádio O Dia, do Rio. Agora não sei onde anda. Uma das coberturas que fizemos juntos foi a Copa de 2002. Foi um trabalho de longa duração, mais de dois meses. Grande pedaço desse tempo passamos em Ulsan, na Coreia do Sul, cidade industrial, sede da Hyundai, cheia de dinheiro, mas não exatamente bela.
O Mauro Leão passava o tempo todo reclamando de Ulsan. Dizia que a cidade era “mais triste que enterro de pobre em dia de chuva”, e outras tiradas do gênero. É claro que se tratava de exagero cômico do Mauro Leão, mas Ulsan, realmente, representava alguns desafios para os brasileiros. A começar pela comida.
Lembro de um bufê de café da manhã de um dos hotéis em que nos hospedamos. Parei diante do balcão a fim de me servir e fiquei perplexo: não conhecia nenhum dos pratos que eram oferecidos. Não havia nada que fosse mais ou menos parecido com algo que já comera antes. Inseguro, vasculhei todos os cantos do bufê até encontrar uma bandeja de espaguete com molho de tomate. Massa não é refeição matutina, mas o resto era… bem, assustador. Fui na massa, que estava com aspecto apetitoso. Levei a primeira garfada à boca e… AAAAAAAAAH! Cadê o extintor de incêndio? Cara, eles botam pimenta DEMAIS em tudo o que cozinham, lá na Coreia. Enquanto procurava desesperadamente por água, olhei para os lados e vi os coreanos do restaurante rindo de mim, os sacanas. Suspeito que eles sabiam o que ia acontecer desde o início.
Dias depois, quando tivemos umas horas de folga, um dos nossos colegas veio dizer que um coreano amigo seu indicara um bar de Ulsan que era im-per-dí-vel. Foi assim que ele falou, escandindo as sílabas para enfatizar a qualidade do bar:
– Im-per-dí-vel!
Ficamos animados. Reunimos um grupo de uns oito colegas, chamamos dois táxis e tocamos para lá. Era um lugar original já na fachada, porque não existia fachada: era um prédio alto, sem portaria. O bar se empoleirava num andar superior. Tomamos o elevador. Chegamos. A porta se abriu. E a primeira visão que tivemos foi de duas coreanas belíssimas, altas, longilíneas, bronzeadas, ambas dentro de minissaias minúsculas. Atrás delas, um coreano mais alto ainda, forte, vestido com um terno preto. Sorrimos. A recepção era alvissareira, pensamos. Nos enganamos. Quando o primeiro de nós tentou sair do elevador, o coreano grandão meteu a mão espalmada em seu peito e disse, em inglês duro:
– Desculpem. Ocidentais não podem entrar aqui.
– Mas…
– Desculpem.
E apertou o botão do térreo do elevador. Enquanto a porta se fechava, conseguimos ver o olhar de desprezo das duas beldades que ladeavam o coreanão.
Não vou dizer que não gostei da Coreia do Sul. Gostei. O povo é educado, o país tem várias cidades mais bonitas do que Ulsan e tudo funciona bem. Mas eles são diferentes de nós. Por isso, decidi que não iria assistir ao filme Parasita, que é sul-coreano. Porque, quando vejo um filme, gosto de me identificar minimamente com os personagens. Se eles são muito diferentes de mim, essa identificação torna-se difícil.
Você dirá que é preconceito meu, e vou concordar: é preconceito. Mas é que já tem tanto filme que não vi, tanto livro que não li, tanta peça a que não fui… Por que perder tempo com algo que, talvez, não me diga nada? Assim, rebaixei os filmes coreanos para a segunda divisão. Aí o Ticiano Osório e a Kelly Mattos começaram a falar bem de Parasita. Elogiaram com tamanho entusiasmo, que quebraram o meu preconceito.
Fui assistir “à fita”, como diria o meu avô.
Gostei de tal maneira, que me deu vontade de voltar à Coreia do Sul. Não farei sinopse do filme, porque tudo o que disser irá estragar a surpresa, mas vá assistir a ele também. Não seja como eu, abra a mente. E compreenda o valor da arte, tão menosprezada no Brasil de hoje. Uma lástima, porque, às vezes, a arte pode redimir um país inteiro.