Os corruptos venceram. Há de se reconhecer. E foi uma vitória obtida com enorme habilidade. Sobretudo, com enorme paciência. Foi de virada, na verdade, porque eles começaram perdendo. Eu até me iludi, confesso. Pensava: “O Brasil mudou. Desde os tempos da faculdade, nós reclamávamos da corrupção e dizíamos que nunca ia mudar, mas mudou!”.
Ingênuo, eu.
Aos poucos, eles foram rastejando entre as frestas do sistema, se infiltrando devagar e ulcerando o que parecia fresco e forte. Aos poucos, eles voltaram a ser o que sempre foram: os donos do Brasil.
Aos poucos, eles voltaram a ser o que sempre foram: os donos do Brasil.
A espetacular reação dos corruptos aconteceu em três frentes: pelos flancos, o Legislativo e o Judiciário; pelo centro, parte da intelectualidade nacional e até internacional.
Nesta semana, uma missão da OCDE manifestou preocupação com o combate à corrupção no país e apontou óbvios retrocessos havidos com a neutralização do Coaf, que até de nome mudou; com a lei do abuso de autoridade, que não por acaso é obra de Renan Calheiros; e com a mudança no entendimento da prisão em segunda instância, com dois ministros (Toffoli e Gilmar) trocando de opinião ao sabor das circunstâncias. São as mais claras e categóricas ações em favor da corrupção patrocinadas pelo Legislativo e pelo Judiciário. Houve outras, mas essas são as mais importantes.
Já os intelectuais agiram de forma menos direta, mas igualmente eficiente: eles desmoralizaram a luta contra a corrupção, rotulando-a como um movimento classista, demagógico e meio brega. Foi um intenso e irresistível processo de desconstrução. Isso ocorreu porque, quando a corrupção começou a ser realmente atacada, quem estava no poder era o PT. Fosse outro partido, os intelectuais cerrariam fileiras ao lado de juízes, promotores e policiais, e a Lava-Jato seria festejada como um instrumento revolucionário do povo no poder.
Nesse particular, os velhos corruptos foram especialmente ardilosos. Eles se retiraram para as sombras e deixaram a briga com os petistas. Chegam a dizer que são a favor do combate contra a corrupção e exaltam a Lava-Jato. É muito engenhoso, porque assim eles não se expõem. A discussão fica girando em torno de Lula e do PT, enquanto eles, silenciosamente, enfiam os dólares nos bolsos e vão para casa. Eles são astuciosos. Eles ganham sempre.
O lado de cá também cometeu erros, é preciso que se diga. Moro jamais deveria ter aceito o convite de Bolsonaro para se tornar ministro. Sua nomeação foi ótima para o governo; péssima para a Lava-Jato. Ao assumir o ministério, Moro transformou-se ele também em político, e passou a depender dos políticos que antes o viam como uma ameaça.
Se você acha que essa situação pode ser revertida no Congresso, está enganado. Não será. A maioria do Congresso quer que tudo fique como está. E ficará. Eles sabem como fazer.
Uma vez, João Cabral de Melo Neto escreveu um poema belíssimo sobre Ademir da Guia, craque do Palmeiras. Sem querer, o poeta descreveu a forma como atua a elite política do Brasil. Substitua “Ademir” por “Os Corruptos” e você entenderá:
Ademir impõe com seu jogo
o ritmo do chumbo (e o peso),
da lesma, da câmara lenta,
do homem dentro do pesadelo.
Ritmo líquido se infiltrando
no adversário, grosso, de dentro,
impondo-lhe o que ele deseja,
mandando nele, apodrecendo-o.
Ritmo morno, de andar na areia,
de água doente de alagados,
entorpecendo e então atando
o mais irrequieto adversário.