Gosto de Olívio Dutra. Nós o entrevistamos no Timeline desta quinta-feira. Você pode fazer quilos de críticas às suas gestões na prefeitura de Porto Alegre e no governo do Estado, mas não negará que ele é um exemplo de político honesto e bem intencionado. Além disso, Olívio tem aquele carisma missioneiro, aquele jeito de falar gingado do homem da Fronteira Oeste. É agradável ouvi-lo.
Lembro do Olívio sentado à mesa do bar de um português ali na Rua da Ladeira, acima do Tuim, bebericando seu martelinho com os companheiros do Sindicato dos Bancários. Lembro de quando fui entrevistá-lo em seu apartamento na Assis Brasil, onde mora até hoje. Viajei de ônibus com Olívio até o Centro, nós dois pendurados na barra de ferro, de pé, no corredor — ele era prefeito e só andava de ônibus ou lotação, continua andando só de ônibus ou lotação. Ou pedalando sua bicicleta pela cidade.
— Uma vez eu tive um Fuca — contou ele, na época. — Mas não sei guiar auto e os amigos tinham de me levar…
Um personagem e tanto, o Olívio.
Mas às vezes ele se equivoca.
Foi o que aconteceu na entrevista que nos concedeu, na Rádio Gaúcha. Quando perguntamos sobre a condenação do Lula, ele se saiu com a seguinte frase:
"Lula não roubou um centavo, não acumulou riqueza".
Ora, a Justiça determinou bloqueio de R$ 16 milhões de Lula em dinheiro, bens e planos de previdência. Para um homem como Olívio Dutra, para mim e talvez também para você, nababo leitor, esse montante pode, sim, ser considerado "riqueza".
Tudo bem, vamos considerar que Lula tenha proferido todas aquelas palestras caras e enriquecido com elas, vamos acreditar… Mas e quanto às reformas do sítio que ele frequentava, como explicá-las? Olívio ponderou que eram "presentes" dos empreiteiros amigos. Quando ele falou aquilo, me arrepiei. Porque conheço o caráter ilibado de Olívio. Então, perguntei-lhe:
— O senhor foi prefeito e governador. Ao exercer esses cargos, aceitou presentes como esses?
Olívio respondeu que não, é claro. Eu já sabia. Porque existe diferença entre Olívio e Lula. É a diferença que havia, cem anos atrás, entre Emiliano Zapata e Pancho Villa, os dois maiores revolucionários da história mexicana. Quando tomaram a Cidade do México, Zapata vindo do Sul, Villa, do Norte, eles entraram no Palácio do Governo e ocuparam o gabinete presidencial. Reuniram-se para tirar uma foto histórica. Zapata se recusou a sentar na cadeira presidencial, deixou que Villa o fizesse. E assim eles foram retratados para a posteridade: Villa exultante, sorrindo, refestelado no trono de espaldar alto, e Zapata ao lado, sério, olhar de sanpaku fitando a lente do fotógrafo, segurando o sombreiro apoiado no joelho. Zapata representava a sisudez, as agruras da vida do povo; Villa era a brejeirice algo irresponsável de quem usufrui a vitória.
O exercício do poder é assim: produz reações diversas em cada indivíduo. Para uns, lhes aumenta a responsabilidade, torna-os sérios, quase tristes. Para outros é uma comemoração. Eles se sentem grandes, se inflam a cada dia com a bajulação e acreditam que elogios, afagos e presentes não têm consequências.