Dilma é honesta?
Tenho cá a resposta e a darei, não sem antes lamentar por ser Dilma uma personagem tão pouco valorizada. Sua história é interessante, porque está repleta de surpresas e contradições. A começar por sua eleição. Ela nunca tinha ganho um voto sequer, para cargo algum, até ser escolhida… presidente da República!
Sua história é interessante, porque está repleta de surpresas e contradições
Dilma conseguiu realizar essa façanha quase que por acaso. Não era ela quem devia suceder a Lula. Havia pelo menos três petistas-raiz na frente: os Josés Dirceu e Genoino e Antonio Palocci. Mas os três foram acusados de corrupção, em casos diferentes, abrindo espaço para outras lideranças.
Fosse no passado, o PT promoveria debates internos para escolher o candidato, só que então a figura de Lula já era maior do que o partido. Foi Lula, pessoalmente, quem indicou Dilma. Seu cálculo era sagaz: a Presidência seria ocupada por uma técnica sem grande carisma, que faria ajustes necessários na economia até devolver o posto para seu verdadeiro dono, o próprio Lula, depois de quatro anos.
No começo, o plano deu certo: Dilma se elegeu e, durante dois anos e meio, seu governo foi bem avaliado. Mas, no meio do mandato, aconteceram as tais Jornadas de Junho, e sua popularidade minguou. Foi depois disso que ela resolveu candidatar-se à reeleição.
Aí está algo que alguém, algum dia, terá de me explicar: por que Dilma quis continuar? Se tivesse passado o cargo para Lula em 2014, ele é quem teria de fazer as reacomodações na economia. Ele é quem sofreria o desgaste.
Mas Dilma insistiu em concorrer e, por isso, ficou exposta. A imagem que o Brasil tem dela hoje foi construída a partir de 2014. E aí você esbarra em outros contrastes do personagem. Três exemplos:
Dilma não é uma pessoa ignorante. Lula confessava ter preguiça de ler. Dilma, ao contrário, é uma mulher lida. Tem boa cultura. Mas, por muitos, é considerada inepta.
Os discursos de Dilma são atrapalhados na forma, mas, se você tiver boa vontade, concluirá que o conteúdo não é tão absurdo assim. Sua dificuldade é o improviso. O que me intriga: por que ela teimava em falar sem se preparar? Por que a assessoria não a protegia?
Quando exercia cargos técnicos, Dilma era admirada por ser enérgica. Elevada à Presidência, era detestada por ser grosseira. Passava descomposturas públicas históricas em seus ministros, fazendo com que alguns saíssem do seu gabinete aos prantos.
Foi essa a Dilma que entrou no segundo mandato. Ou seja: ela foi vitoriosa nas urnas, mas perdeu quase toda a sustentação. Sua imagem era ruim, seu apoio político diminuía a cada semana, a crise na economia se acentuava, a população estava disposta a ir às ruas para derrubá-la e havia oposição até dentro do seu partido. Todas as circunstâncias desfavoráveis se combinaram para abatê-la, como uma tempestade perfeita. Riders on the storm, como diria Jim.
Havia um único fator em favor de Dilma: ela é honesta. É essa a resposta à pergunta que fiz: sim, Dilma é honesta. Ela nunca obteve uma só vantagem pessoal com a corrupção de seu governo. Mas existia outro fator contra ela, e foi esse que a derrubou: Dilma é honesta, mas não é inocente. Ela não se locupletou com os malfeitos do sistema, mas se beneficiou deles e graças a eles se reelegeu.
Eis algo que os brasileiros devem levar em conta, e por isso escrevo de Dilma: porque honestidade é diferente de inocência. Preste atenção nisso.
No desfecho, ainda há outra surpresa nesta história de antinomias de Dilma. Porque, ao terminar seu governo antes do tempo, ela não teve de enfrentar a crise e ficou protegida pela inação. Dilma se retirou com alguma dignidade, afinal, e sua queda deu discurso e sobrevida ao PT. Ao mesmo tempo, seus inimigos do PMDB e do PSDB foram atingidos em cheio e muitos deles simplesmente acabaram para a vida pública.
Que personagem é Dilma: honesta sem ser inocente, derrotada ao ganhar a reeleição e vitoriosa ao ser derrotada pelo impeachment. Faz jus a um de seus discursos mais célebres: na vida, nem quem ganhar nem quem perder vai ganhar ou perder.