Existe uma crença arraigada de que não se pode derramar água fervendo no chimarrão. “Queima a erva”, alegam os incontáveis adeptos dessa corrente. Durante largo tempo aceitei isso como verdade inquestionável, porque era um ensinamento que passava de geração para geração. Mas havia um pormenor que sempre me incomodava, que ficava me sussurrando: “Há algo de errado aí… algo de muito errado…”.
Mesmo assim, todas as manhãs, quando preparava meu mate, não deixava a água ferver, em respeito aos meus antepassados. “A chaleira não pode chiar”, dizia para mim mesmo, repetindo uma fórmula ancestral, mas, ao mesmo tempo, sem acreditar nela.
'A chaleira não pode chiar', dizia para mim mesmo, repetindo uma fórmula ancestral, mas, ao mesmo tempo, sem acreditar nela.
Sabe o que me inquietava?
A lógica.
Porque o chimarrão, ao fim e ao cabo, é um chá. Uma infusão. E como são preparadas todas as infusões? Com água fervente! Conta-se, inclusive, que o primeiro de todos os chás da humanidade foi bebido na China há 5 mil anos, o que não me surpreende, porque todas as coisas foram inventadas na China há 5 mil anos. Mas o que interessa agora é a forma como o chá foi criado: um imperador chinês estava fervendo água para beber e folhas de uma árvore próxima caíram na panela. O imperador viu que, a partir da fervura, formou-se um líquido de cor amarelada e resolveu experimentá-lo. Gostou e, a partir daí, passou a ferver folhas diariamente.
O chimarrão, portanto, também deveria ser feito com água em ponto de ebulição. Aliás, lembre-se do imperador chinês: ele fervia a água por questões de saúde, para matar todos os microrganismos que porventura estivessem nadando nela. Um grande motivo para nós também fervermos a nossa água, até porque a que vem do Rio Guaíba às vezes tem um cheiro maligno, não é confiável.
Por que, então, disseminou-se pelo Rio Grande a ideia (falsa! Mil vezes falsa!) de que a água do chimarrão não pode ser fervida? Que interesses estão por trás dessa fake news?
Depois de muita pesquisa, encontrei duas explicações: uma à direita e outra à esquerda.
A primeira, a explicação à direita, faz uma revelação alarmante: tudo começou na Escola de Frankfurt. Horkheimer e Habermas, principalmente eles, defendiam que os micróbios sobreviventes na água não fervida contaminariam mais do que estômagos e intestinos gaúchos: contaminariam o próprio sistema capitalista vigente no Estado. Porque, é óbvio, pessoas com dor de barriga são pessoas descontentes. Isso explicaria por que os gaúchos jamais reelegem um governador: os eleitores estão em eterna constipação ou, o que é ainda mais aflitivo, em permanente estado diarreico. E em quem poriam a culpa por tamanho incômodo? No governo, é evidente. Faz sentido. Porque, no Rio Grande amado, os desarranjos intestinais são tão frequentes, que se criou até uma palavra local para defini-los: o popular “churrio”.
A segunda explicação, egressa das esquerdas, é igualmente assustadora: o conceito absurdo de que a água do mate não pode ser fervida espraiou-se entre nós por ação do Grande Irmão do Norte. Os Estados Unidos. Para a indústria farmacêutica, é fundamental que as pessoas vivam se queixando de males estomacais. Assim, ela fatura bilhões vendendo suas drogas a preços escorchantes. Os gaúchos acham os remédios caros, mas pagam, porque precisam desesperadamente se aliviar. Não é à toa que há tantas farmácias no Rio Grande do Sul.
Não sei quem está certo, mas eu, aqui, me rebelei. Fervo a água. Sim! Admito! Confesso sem pejo: fervo! Pouco me importam as críticas. Que venham os ataques nas redes sociais!