Esta crônica você não pode, de jeito nenhum, mostrar para o meu filho. Fica entre nós, não posso dar mau exemplo. É que o que vou contar aconteceu quando eu estava mais ou menos com a idade dele – ele tem 12 anos e eu tinha, no máximo, 14.
Eu estudava no Costinha, no Parque Minuano, e morava no IAPI. Meio longe. Precisava acordar cedo, caminhar pela Plínio até a Assis Brasil e lá tomar um Sarandi invariavelmente lotado. Dureza.
Bom. Nessa manhã, saí de casa com a minha pasta debaixo do braço e, ao botar os guides na calçada, sabe qual foi a primeira pessoa que vi?
Aquela loirinha.
Sendo assim, tomei a atitude que devia tomar: continuei caminhando ao lado dela e matei a aula.
Sândi, o nome dela. Morava no mesmo prédio que o Amilton Cavalo e olhava para a gente com uns olhos azuis da cor do mar do Siriú em 15 de fevereiro. Ela tinha boas pernas, aquela Sândi, e ondulava dentro de uma sainha plissada de colegial, poucos metros à minha frente. “Gol do Brasil”, pensei, avançando decidido como a Divisão Panzer sobre a Floresta das Ardenas.
Em um minuto, havia emparelhado com ela. Em um minuto e 10 segundos, havia disparado a minha famosa cantada infalível. Em um minuto e 30 segundos, ela ria e ria, e o riso de uma mulher, mesmo menina, é o que lhe amolenta o coração.
Então, lá fui eu, desempenhando, até chegar à parada do ônibus. Só que ela iria continuar, seguiria a pé para a escola. Perguntei onde era e ela respondeu:
– Perto da Estrada do Forte.
Não fazia ideia de que lugar era aquele, mas, puxa, era uma estrada e sediava um forte, não parecia algo muito urbano. Se fosse com ela até lá, chegaria atrasado, não poderia entrar na aula. Minha mãe, se descobrisse, ficaria furiosa. Seria uma irresponsabilidade terrível.
Sendo assim, tomei a atitude que devia tomar: continuei caminhando ao lado dela e matei a aula.
Foi legal. Aquele passeio foi o começo do meu namorinho com Sândi e, além disso, a manhã de vagabundagem foi muito divertida. Me senti… livre.
Desde aquela época, a Estrada do Forte, depois promovida a avenida, se fixou na minha mente como o marco de uma ousadia infantojuvenil. E, durante décadas, eu jurava que o tal forte homenageado era o de Copacabana. Mas, não. Descobri, não faz muito, que houve um forte naquele local, erguido pelo General Neto durante a Revolução Farroupilha, e servia PARA SITIAR PORTO ALEGRE. Não é estranho que uma cidade festeje quem o atacou?
Claro que é, mas o que quero revelar é que, por volta daqueles dias, a minha professora de História no Costinha entrou, exatamente, no capítulo dos 18 do Forte de Copacabana. Para mim, era um sinal do Senhor. Estava tudo conectado, a marcha dos 18 do Forte era como a minha marcha ao lado de Sândi.
Eu é que estava desconectado, óbvio, mas aquilo serviu para que me interessasse pela história dos 18 do Forte, e essa é uma história espantosa.
Os militares do Forte de Copacabana e outros, de outros quartéis do Rio, queriam derrubar o governo Arthur Bernardes. Para tanto, planejaram um golpe em julho de 1922. Só que o golpe deu errado e só restaram 30 oficiais no Forte, cercados de MILHARES de soldados leais ao governo.
Depois de dias de impasse, eles fizeram como eu: decidiram pelo que as mães deles não recomendariam. Saíram em marcha suicida pela Avenida Atlântica, dispostos a só parar no Palácio do Catete. No caminho, vários militares desertaram e um civil se juntou a eles. Continuaram em frente cerca de 18 revoltosos, não mais do que 20. E eles avançaram pelo menos 16 quadras, de peito aberto, trocando tiros com MAIS DE MIL inimigos por inacreditáveis DUAS HORAS. Morreram quase todos. Sobraram Siqueira Campos, que virou estátua e nome da rua onde a marcha foi interrompida, e Eduardo Gomes, que virou o doce brigadeiro. Por que tanto heroísmo desatinado? Para derrubar o facínora Arthur Bernardes. De quem seguirei falando. Tem a ver com os dias de hoje, acredite, confie e espere.