A Rita Lobo é contra massa com salsicha. Na verdade, ela é contra salsichas. Pelo menos foi o que insinuou nesta sexta, quando a entrevistamos no Timeline.
Será que todas as salsichas são ultraprocessadas? A minha avó fazia salsichas com as próprias mãos, e acho que não as ultraprocessava. Como será que se ultraprocessa uma salsicha, afinal?
Na Alemanha, a terra da salsicha, existem 1,5 mil tipos delas e duvido que todas sejam ultraprocessadas. Não, os alemães não fariam isso com suas salsichas…
Já contei a respeito do meu plano com as salsichas alemãs? Tem a ver com as ilhas Maldivas. Porque há 1,5 mil ilhas Maldivas e 1,5 mil salsichas alemãs. Meu projeto é conhecer uma ilha Maldiva por dia e, em cada dia, comer um tipo de salsicha alemã. Pode ser, inclusive, que em um desses dias eu aproveite a salsicha para temperar o molho da massa, o que causará escândalo em Rita Lobo, mas agradará o meu amigo Admar Barreto, aquele amante das massas com salsicha.
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Quem me apresentou a Rita Lobo foi a Marcinha. Na verdade, apresentou-me o programa de culinária dela. Gostei de ver, porque ela cozinha dançando. Deve ser muito boa a comida de quem cozinha dançando.
Comida tem que ser preparada assim, com alegria e paciência. Melhor ainda se for com amor por quem vai comer, porque o contrário é uma tragédia.
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Lembro de, uma vez, quando eu era pequeno, que a minha mãe me levou para “fazer visita” a uma amiga ou parente dela, sei lá. As mães submetiam os filhos a essa provação, no passado. Elas avisavam: “Hoje vamos fazer visita”. Era horrível. Era sempre uma chatice. Eu queria jogar bola com meus amigos, puxa vida, e não ficar ouvindo aquelas conversas maçantes de adultos. Hoje eu acho que as pessoas não fazem mais visita, elas conversam pelo Whats.
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Escolha pratos de cozinheiras que pareçam boas pessoas
Daquela vez, nós fomos fazer visita na hora do almoço. Sentamos à mesa e a tal amiga ou parente da minha mãe botou bem na minha frente uma enorme travessa de massa com salsicha provavelmente ultraprocessada. Eu estava com fome e me servi de uma porção generosa, até porque a massa parecia boa. Antes, porém, de eu dar a primeira garfada, a cozinheira veio lá de dentro. Era a mãe ou tia ou avó da dona da casa. Ela se instalou em uma cadeira sem sorrir nem cumprimentar ninguém e disse alguma coisa. Quando ouvi sua voz, me arrepiei. Olhei para ela: era uma mulher sinistra.
Vou dizer para você que acredito no Método Lombroso: a aparência das pessoas diz um pouco (ou até muito) do que elas são. A personalidade de um ser humano vai desenhando o seu rosto ao longo dos anos e vai mostrando quem ele é. Quando você tem uma sensação estranha ao ver alguém, não aconteceu nada sobrenatural, nada transcendental: foi a sua inteligência que lhe mandou um aviso. Esse “instinto” nada mais é do que o som do alarme disparado por sua própria experiência dizendo que, antes, você viu algo semelhante. Não descarte essa advertência. Preste atenção. Investigue o seu sentimento. E você descobrirá que um gesto breve ou a entonação de uma frase fizeram uma revelação e talvez estejam até gritando: “Cuidado!”
Foram essas sirenes que soaram quando vi a mulher que preparou aquela massa. “Ela é má”, pensei, enquanto levava uma garfada à boca. Assim que dei a primeira dentada, a impressão se confirmou: a massa tinha sabor de ressentimento azedo, de mágoa antiga, de ódio corrosivo. Olhei para o meu prato cheio daquela substância repulsiva e me perguntei, com desespero: “E agora? O que é que vou fazer com isso?” Foi o pior almoço da minha vida, logo eu, que, a despeito dos preconceitos de Rita Lobo, gosto de massa com salsicha.
Não foi o ultraprocessamento que me trouxe aquele dissabor gastronômico de infância. Foi o sentimento com que a cozinheira temperou a comida que preparou. Tenha precauções, portanto: escolha pratos de cozinheiras que pareçam boas pessoas. E que, se possível, dancem enquanto fazem o molho da massa.