A minha mãe não ia se dar bem nos Estados Unidos. Ela adora jogar conversa fora. Americano detesta.
Aliás, esta expressão, “jogar conversa fora”, é perfeita para definir o que os americanos sentem a respeito. Para eles, uma conversa que pode ser jogada fora é inútil. Faz sentido: se a conversa é descartável, por que perder tempo com ela?
Agora mesmo, veja o que me aconteceu: estava me preparando para viajar e organizei todo o apartamento. Fechei bem fechadas portas e janelas, limpei o que tinha de ser limpo e tirei da geladeira e dos armários tudo o que poderia entrar em decomposição. Lá dormiam umas batatas que já estavam murchando, um queijo mofado, umas carnes de cor suspeita, um pão com o qual poderia fazer penicilina. Por que a Marcinha deixa essas comidas antigas guardadas? Um mistério. Bem. Pus tudo em um saco preto de plástico e deixei-o aberto no meio da cozinha. A última coisa a fazer seria fechá-lo e levar para o lixo.
Cheguei ao aeroporto na hora, embarquei, tudo certinho. O avião levantou voo, me deu um sono, fechei os olhos para dormir e, então, um pensamento medonho me fez saltar na poltrona: o lixo!
Eu havia esquecido o saco de lixo aberto no meio do piso da cozinha. Um saco de lixo cheio de comidas que apodrecem facilmente, como carne. Com o calor que está fazendo no verão americano, imaginei o que aconteceria. Lembrei de uma exumação de cadáver que acompanhei certa vez, quando cobria polícia. Seria mais ou menos isso. Os ratos e as baratas invadiriam a cozinha, os vizinhos iam pensar que tinha um cadáver no apartamento, chamariam os bombeiros, eles arrombariam a porta, um escândalo.
Fiquei ansioso até conseguir internet. Então, passei um e-mail para o administrador da imobiliária, perguntei se ele por acaso possuía uma chave extra e expliquei a situação em pormenores, pedindo que ele fosse lá a fim de pôr o lixo no lixo.
A resposta veio em seguida. E foi essa:
“OK”.
Só isso, “OK”. Nenhuma ponderação, nenhuma pergunta, nada. Aquilo me deixou apreensivo. Esperei mais umas quatro horas e mandei outro e-mail reforçando que havia carne naquele saco e que odores miasmáticos poderiam tomar conta do prédio inteiro se uma providência não fosse tomada com urgência. Ele respondeu assim: “done”.
Ou seja: “feito”. Sem ponto. Sem nem sequer inicial em maiúsculo. Um “done” perdido no meio da tela imensa.
Temos de contar com a boa vontade dos outros para conseguir até mesmo o que é nosso por justiça.
Tal brevidade seria preocupante se estivesse lidando com um brasileiro. Poderia ser esquiva para não fazer o que devia ser feito ou simplesmente rudeza. No caso de um americano, não. Ele comunicou que tinha feito o que fora pedido e mais não havia a ser dito. Ou seja: nada de jogar conversa fora.
Por que nós, brasileiros, somos assim? Por que fazemos prolegômenos para solicitar algo? Por que tanto arrazoado para uma pergunta simples?
É porque PRECISAMOS ser assim. Porque temos de contar com a boa vontade dos outros para conseguir até mesmo o que é nosso por justiça. Sabemos que, para viver bem, não nos basta o direito, necessitamos do privilégio. Foi o que aprendeu, por exemplo, a minha mãe. Tendo de criar três filhos sozinha, sendo professora do Estado, ela precisava conversar muito para obter o que queria. Funcionou. Mas não vá tentar explicar isso para um americano.