Depois de tantos anos, agora, na idade madura, descobri algo sobre as galinhas: elas não precisam do galo para botar ovo. Sim, é verdade: uma galinha pode pôr ovo todos os dias de sua vida sem que jamais tenha mantido intercurso com um único galo.
Foi com grande surpresa que tomei ciência desse fato a respeito do mundo aviário, e também, confesso, com certa decepção e até desânimo, porque me pareceu uma prova cabal da desimportância masculina no planeta.
Verdade que o que existe de alarmante nessa informação é atenuado por um pormenor: para gerar o pinto, a galinha necessita, forçosamente, da participação firme do galo. Dá algum alívio a nós, machos, mas, mesmo assim, entenda, perplexo leitor, que uma galinha virgem é capaz de alimentar um ser humano por anos, e o galo mais sexualmente ativo, o galo mais orgulhoso, o galo mais cantador, o galo cinza, não.
As galinhas põem ovos simplesmente porque os põem, e pronto, não há amor envolvido na atividade. Bem próprio das fêmeas, inclusive as mamíferas.
Minha avó tinha galinheiro em sua casa, nos Navegantes. Quando queria bater uma gemada ou preparar uma omelete, ia até o fundo do quintal, entrava no galinheiro e tirava o ovo debaixo do corpo da galinha, que protestava de forma tíbia, com um breve có, e nada mais. Eu, na minha inocência, olhava para aquele ovo ainda quente do calor das penas maternas e imaginava tratar-se do produto das loucuras perpetradas no galinheiro entre ela, a galinha, e aquele galo pimpão que cantava com alegria selvagem todas as manhãs. Admirava o altivo galo, porque eram muitos os ovos fornecidos para a cozinha da minha avó, todos os dias. Pensava na intensa atividade daquele macho garboso e congratulava-o, sussurrando: “Parabéns, meu galo!”.
Agora percebo que era tudo ilusão. As galinhas põem ovos simplesmente porque os põem, e pronto, não há amor envolvido na atividade. Bem próprio das fêmeas, inclusive as mamíferas. As da nossa espécie, por exemplo, fazem coisas que às vezes pensamos que são feitas por nossa causa, mas, qual o quê!, é para elas mesmas. Nós fantasiando com as traças e as graças da paixão e elas rindo-se à sorrelfa. Como somos tolos! Como somos românticos!
Mas não há nada a fazer a respeito. Voltemos aos ovos, pois. Li que uma moça famosa por algum motivo chamada Gracyanne Barbosa come 40 ovos por dia. Mas não come banana, senão engorda. Fiquei muito tempo tentando processar essas informações. Me parece importante.
Porque, e agora chego ao ponto aonde queria chegar desde o início, porque desde o momento em que aderi aos ovos no café da manhã, semanas atrás, vinha pensando: quantas vidas deixaram de vicejar por minha culpa? Cogitei até da possibilidade de os veganos estarem com a razão, de que nós, humanos, levamos a sério demais aquele trecho do Gênesis em que Deus diz aos homens:
“Vós sereis objeto de temor e de espanto para todo animal da terra, toda ave do céu, tudo o que se arrasta sobre o solo e todos os peixes do mar: eles vos são entregues em mão. Tudo o que se move e vive vos servirá de alimento; eu vos dou tudo isto, como vos dei a erva verde”.
Não seria muita arrogância de nossa parte nos apropriarmos de tudo o que vive? Não seria mais arrogância ainda da Gracyanne Barbosa, que é a responsável pela morte de 1,2 mil pintos em um só mês?
Hoje sei que não. Hoje sei que aqueles ovos todos da Gracyanne, e os meus poucos a cada manhã, poderiam não ser futuros pintos. Poderiam ser, apenas, ovos.
Assim, tomo meu desjejum sem culpa, mas o Brasil está passando por uma fase que me incomoda, e tem a ver com isso. O que é? Terei de contar amanhã. Enquanto você espera, frite um ovo e coma-o com café preto. Mas faça o seguinte: frite na manteiga e uma colher de chá de azeite de oliva. O acréscimo do azeite impede que a manteiga queime e confere um sabor especial ao ovo frito. Experimente. E me diga o que achou.