Nessas andanças e mudanças da vida, perdi meu exemplar de Era Vidro e se Quebrou – Como ser imaturo e perder um grande amor, clássico da lavra do meu amigo Chico Izidro.
Nesse livro, Chico relata as dores do seu próprio coração partido. Porque Chico sofreu, e como sofreu. Fui testemunha de sua dor. É que o Chico, além de competente repórter esportivo, era goleiro do nosso time de futebol 7. Jogávamos todas as segundas naquela quadra que havia em frente ao Beira-Rio.
Chico era bom goleiro. Grande, ágil, dava segurança ao time. Mas, um dia, a namorada decidiu abandoná-lo. Alegou que o Chico não lhe dava atenção, que a trocava, por exemplo, por três ou até quatro sessões de cinema encadeadas (o Chico é um cinéfilo praticante). Ela não aguentava mais.
Chico tentou, Chico argumentou, Chico fez promessas. Nada adiantou. Porque é assim que é: a mulher, quando resolve partir, dá adeus e vai sem olhar para trás. Nós, homens, sensíveis que somos, ainda ficamos com pena. Elas, não.
Então, a namorada do Chico se foi, deixando-o em farrapos. E esses farrapos iam para debaixo das traves, nos nossos derbies de segunda à noite. Era de dar dó. O Chico chegava cabisbaixo, a cada segunda mais magro – parece que perdeu quase 40 quilos. Antes da partida, sentava-se em um banco do vestiário e começava a gemer. Fardava-se a custo, e arrastava sua melancolia para a cancha. Eu era o zagueiro (viril). De repente, vinha uma bola fácil, chutada lá do meio da quadra pelo pé murcho do Elinho Bandeira, e pegava o Chico bem no meio de um suspiro. Gol deles. Eu me irritava, ia reclamar com o Chico, mas, quando o encarava, via que um par de lágrimas lhe escorria rosto abaixo, molhando o tapete verde do campo de jogo. Como é que você vai xingar um goleiro que chora?
Foi um tempo de derrotas do nosso time. Tudo o que queríamos era que o Chico arrumasse namorada nova, mas ele só foi melhorar depois de escrever o livro.
“Como ser imaturo e perder um grande amor”, lamuriava-se o Chico no subtítulo. Autocrítica forte. O homem desprezado precisa se humilhar, precisa rastejar, precisa se autoflagelar. É uma purificação, entendem, mulheres más? Uma catarse.
Mais ou menos na mesma época em que o Chico passou por esse revés emocional, outro de nossos valorosos atletas também se mostrava perturbado em campo. Ninguém menos do que o Professor Juninho, grande amigo, que morreu não faz muito tempo.
Tenho de lembrar dessa, como uma homenagem ao Juninho.
Aconteceu que ele se envolveu em uma trama clássica: estava com uma bela jovem no apartamento dela, no centro da cidade. Trocaram carícias e beijos. Beijando-se sempre, mnmmm, mnmmm, foram grudados para o quarto e começaram a se despir um ao outro com sofreguidão. O Juninho estava já só de carpins pretos, puxados até os joelhos, quando ouviu o som mais terrível que poderia ouvir naquele momento: o barulho de uma chave sendo enfiada na fechadura da porta da frente.
– Meu marido! – exclamou a beldade.
– Ma-marido? – surpreendeu-se o Juninho. – Tu é casada?
– Vai para debaixo da cama! – ordenou ela.
O Juninho tomou-se de brios.
– Jamais! – protestou, com o indicador da indignação apontado para o firmamento. – Jamais! Não sou homem de me esconder debaixo da cama. Vamos conversar. Somos civilizados e…
– Meu marido é capitão do Exército e sempre anda armado! – interrompeu ela.
Antes que a moça pudesse dizer cucamonga, o Juninho, zap!, enfiou-se debaixo da cama. E lá ficou, só de carpins, olhando apavorado o celular que piscava em um canto, e rogando, em silêncio desesperado: “Não toca, não toca…”.
O Juninho conseguiu se safar daquela, mas a situação o perturbou. Durante várias de nossas partidas, ele se assustava quando um adversário gritava: “Olha o capitão!”. Acabava perdendo bolas que não perderia se estivesse concentrado, porque o Juninho era craque.
Casos como os do Juninho, do Chico e, agora, do Neymar mostram: vida de solteiro não é boa para o futebol. Para se salvar, ou o craque faz um mea-culpa profundo, como no caso do Chico, ou se estabelece em um relacionamento sério, como foi o do Juninho. Neymar, prevejo o futuro próximo de Neymar: ele se casará. O ano de 2020 não chegará ao fim sem que Neymar suba ao altar. O craque estará redimido. E o Brasil será campeão do mundo.