No sábado passado, fomos ao Oliveira’s, uma churrascaria brasileira que tem aqui perto, em Somerville. Eu estava lá, mastigando uma alcatra, quando entrou aquela mulher. Ela era jovem, uns 19 anos. Ela era morena, de cabelos pretos e pernas longas que saíam de dentro de um vestido tão justo quanto sumário. Ela tinha um rosto de nenê, os olhos inocentes contrastando com a boca sensual. E, sobretudo, mais do que tudo e acima de tudo, ela era dona da melhor bunda que já foi exibida em todo o território dos Estados Unidos da América.
Escrevi “bunda” e talvez tenha chocado os mais pudicos. Não poderia escrever outra coisa. A bunda é a mais brasileira das palavras. Tanto que só existe no Brasil, não é usada nem pelos portugueses, embora eles a tenham inventado. É que os escravos trazidos da África falavam o idioma “bundo” e “bundos” eram chamados também todos os que vinham d’Angola. Os portugueses, obedecendo a uma tradição nacional, admiravam a conformação da região glútea das mulheres bundas. Eram nádegas tão redondas, rijas e empinadas, que transformavam todas as demais, as das europeias branquicelas, em não nádegas. Quer dizer: nádegas de verdade eram as das bundas. Portanto, as bundas, para os brasileiros originais, viraram sinônimo de nádegas. E a palavra bunda nasceu, para a glória da humanidade.
Aquela bunda de sábado era uma bunda de hipnotizar português. Não que fosse GIGANTE: era harmônica. Uma bunda que exaltava o Brasil, porque só podia pertencer a uma brasileira. Enquanto sua dona caminhava, ela, a bunda, ondulava em uma cadência manemolente de samba de breque, mas se tratava de uma bunda tão bela e imponente, em sua plenitude, que julguei ouvir a Lacrimosa, de Mozart, à sua passagem.
– Tu viu aquela guria? – perguntou-me a Marcinha.
Sinais de alarme começaram a soar em minha cabeça, como se o robô de Perdidos no Espaço avisasse:
– Perigo! Perigo!
Mas não podia tergiversar. Todo o restaurante olhava para a moça. Admiti, enquanto engolia o pedaço de alcatra:
– Vi…
– Acho que o cara que está com ela é um americano. Tem todo o jeito de americano – continuou a Marcinha. – Não acha que ele é americano?
Naquele momento, as engrenagens do meu cérebro trabalhavam para tentar manter o assunto de maneira não comprometedora. Lembrei-me da Kelly Mattos, que, sempre que alguém comenta acerca da beleza de uma mulher, pondera, o indicador em riste, o acento grave da convicção na voz:
– Uma mulher não é só bonita! Ela é competente! Ela é inteligente! Ela é íntegra!
Concordo com a Kelly, não podemos objetificar a mulher, de jeito nenhum, longe de mim esse pecado, mas como poderia exaltar as qualidades morais da moça, se não conhecia nada de sua história? Ali, no restaurante, entre nacos de fraldinha e picanhas ao alho, só o que se destacava nela (e como se destacava) era aquela bunda. Não havia nada a fazer a fim de contentar qualquer exigência politicamente correta. Assim, encurralado, apenas concordei:
– É.
O casal se instalou em uma mesa próxima. Eu podia olhar, se quisesse, mas não devia. Sei que não devia. E não olhei. Mas as pessoas em volta olhavam. Mantive-me casto, monacal.
Aceitei a costela que o garçom me oferecia.
Bebi um gole de cerveja.
A Marcinha, então, me encarou. E, bem séria, sentenciou:
– Um dia, aquela bunda vai cair e, depois que cair, nunca mais vai levantar.
As mulheres são más.