Ontem vesti o meu moletom do Mickey. Talvez você saiba qual é: aquele que o Potter e a Marcinha vetaram para aparições públicas. Comprei-o quando levei meu filho à Disney, uns cinco anos atrás. Uma noite, chovia e fazia um frio surpreendente para a Flórida e eu estava desprevenido, só de camiseta. Entrei em uma loja, vi o moletom tão bonito, azul-escuro, o Mickey sorrindo na frente, e o enfiei pela cabeça e paguei e saí assim, bem contente.
Mas o Potter e a Marcinha disseram que eu não podia fazer o Timeline com meu moletom, porque as câmeras do GaúchaZH transmitem o programa ao vivo e ficava feio eu, com o Mickey no peito, entrevistando o ministro do Supremo, Marco Aurélio Mello, que até destarte fala.
Contrariado, concordei. Afinal, um homem que fala destarte merece alguma cerimônia. Então, tenho evitado usar meu moletom do Mickey. Mas ontem precisava fazer coisas na rua e o clima estava ideal para um moletonzinho e aí disse para mim mesmo:
– Quer saber? Dane-se o mundo fashion!
E o vesti.
E saí.
Como fiquei bastante tempo fora, parei duas vezes para tomar um cafezinho restaurador. Na primeira, comecei a folhear o jornal que se me oferecia da prateleira e esbarrei em uma curiosa notícia a respeito de um compatriota. Ele se chama Rangel e é dono do Oliveiras, famoso restaurante brasileiro da região. Há Oliveiras em várias cidadezinhas colonizadas por brasileiros no entorno de Boston. Esse, do Rangel, fica em Everett.
Ocorre que, neste ano, o Rangel decidiu embelezar a fachada do seu restaurante de uma forma original. Para isso, contratou um artista brasileiro por US$ 5 mil para que ele esculpisse a estátua de um touro da raça nelore em tamanho natural. Depois de pronta a estátua, que, por sinal, ficou bem realista, o Rangel pagou mais US$ 2 mil para instalá-la em frente ao restaurante. O problema é que a prefeitura de Everett não gostou da obra e determinou que Rangel a remova do lugar. A alegação oficial é que a estátua está fora das normas do município, mas Rangel diz que a razão é outra: os testículos do touro. Cidadãos pudicos de Everett teriam se escandalizado com aqueles testículos expostos, ainda que feitos de pedra, e reclamaram para a prefeitura. Rangel ficou desolado, mas pensou em uma forma de resolver o impasse: vai remover os testículos do touro. Quer dizer: aquele belo e imponente nelore branco será castrado e rebaixado a boi só porque uns americanos se ruborizam ao ver uma representação de testículos de bicho.
Rangel está pedindo que quem gosta do touro escreva à prefeitura de Everett pedindo que ele fique onde está. Saí do café resolvido a participar da campanha e pensando que as pessoas são intolerantes. Não toleram um moletom do Mickey, não toleram testículos de pedra. Até que, já no caminho de casa, entrei no segundo café, pedi um cappuccino e vi que uma menininha de uns dois anos de idade estava parada na minha frente, sorrindo. Ela era loirinha e tinha olhos azuis e apontava para mim. Ergui uma sobrancelha.
E ela:
– O Mickey Mouse!
– Yes! – concordei. – Você gosta dele?
– Gosto! – ela respondeu.
– E gosto de você porque você está com ele!
Abri o maior sorriso do dia. Olhei em volta e vi que todos sorriam também. Achei que, naquele momento, como disse a menininha, as pessoas gostavam de mim porque eu estava com o Mickey Mouse. Pensei, em seguida, nas severas censuras que recebi do Potter e da Marcinha. E sussurrei para mim mesmo, enquanto pegava meu cappuccino: dane-se o mundo fashion!