Na segunda-feira, no Timeline, o Potter me perguntou se a República Dominicana é ou não é uma ditadura. No mesmo instante, meu cérebro pôs-se a trabalhar: “República Dominicana, República Dominicana… O que é que eu sei mesmo sobre a República Dominicana?”. Quase nada. Sei que ela partilha uma ilha (rimou!) com o Haiti, mas confundo as histórias dos dois países. Até achei que a República Dominicana fosse uma ditadura, e não é.
Continuei pensando. República Dominicana… Lembrei que já falei com dezenas de pessoas da República Dominicana, quase todas elas motoristas de aplicativos. São muito simpáticos os dominicanos, muito alegres. Em vários de seus carros, quando entrei, estava tocando merengue. Ou seria salsa? Ou mambo? Ou rumba? Bem, era a música lá deles, pulsante, dançante.
Na Colômbia, eles também gostam de salsa. Ou merengue. Ou rumba. Ou mambo. Passei um mês em Cáli, na Copa América de 2001. Caminhava pelas ruas e ouvia o som daquela música vindo das casas e, sobretudo, dos bares. Perto do hotel em que estava, tinha um bar desses, animadíssimo, sempre cheio, todo mundo dançando e rindo e falando alto. Prometi a mim mesmo que, quando tivesse menos trabalho, iria dar uma passada naquele bar.
Não sei muito da República Dominicana, mas sei que lá vive uma velha senhora que sente saudade da neta quando olha para o mar.
Uma noite, finalmente, consegui uma folguinha e fui lá. Nossa! Tudo muito colorido e ruidoso, as pessoas dançavam em pares ou até em cima das mesas. Juro por Deus: em cima das mesas. Fiquei olhando aquilo, encantado, e aí uma morena veio ondulando em minha direção. E veio e veio e veio. Pensei que não fosse comigo, não podia ser. Mas era! Ela simplesmente me puxou para dançar e me fui, todo faceiro, me sentindo um Bradley. Ela começou a rebolar e a mexer aquelas pernas feito uma Shakira, e eu tentando me concentrar para não fazer feio. Só que fiz. Depois de um minuto, ela estacou, fincou as mãos nos quadris e concluiu:
– Mas você não sabe dançar!
E eu:
– É… bem… é que… não…
Ela nem disse tiau. Foi embora e me deixou ali, com a minha cintura de zagueiro da Suécia.
Suponho que na República Dominicana eles também dancem com tal entusiasmo. A alegria, pelo menos, é igual. Uma coisa caribenha, pura, a felicidade que goteja da alma pele afora, como se fosse suor.
Encontrei apenas um dominicano que parecia triste. Na verdade, uma dominicana. Não havia música em seu carro e ela dirigia devagar. Fazia frio naquele dia, uns 10 graus abaixo de zero. Ela começou a falar do calor de sua ilha. Contou que morava junto com a avó em uma pequena casa incrustada em alguma das tantas praias do lugar. Percebi que a lembrança lhe causava certa nostalgia e perguntei há quanto tempo não visitava a sua antiga cidade.
– Três anos… – ela suspirou.
Deduzi que ela estivesse em situação ilegal nos Estados Unidos. Três anos sem sair do país é porque não pode – se sai, não tem mais como voltar. Ia perguntar algo sobre isso, mas ela tinha voltado a falar na avó.
– Neste momento… – ela disse, mais para ela mesma do que para mim – Neste momento, a minha avó deve estar sentada na varanda de casa, olhando para o mar. É uma casa pobre, mas ela está olhando para o mar. Eu não. Eu queria tanto estar com ela, olhando para o mar…
Não disse nada à dominicana exilada. Estávamos chegando, me despedi e desci do carro. Na segunda-feira, depois que o Potter falou da República Dominicana, pensei de novo nela. Não sei muito da República Dominicana, mas sei que lá vive uma velha senhora, talvez de cabelos brancos, talvez com algumas rugas no rosto, que sente saudade da neta quando olha para o mar.