Quando penso na palavra “interesses”, sempre imagino o Brizola falando:
– Os interésses… – pronunciava ele, abrindo a sílaba “re”, ao invés de fechá-la em “interêsses”, como diz a maioria dos brasileiros.
Esses “interésses”, para o Brizola, eram invariavelmente escusos, sobretudo os internacionais. Ele não precisava acoplar um adjetivo ao substantivo, bastava proclamar que o povo brasileiro sofria “por causa dos interesses”, que a gente já antevia toda a má intenção dos interesseiros.
Bolsonaro não se comporta como um presidente de poder, comporta-se como um pequeno rei, ora birrento, ora mimado, não raro apenas bobo.
De fato, no momento em que alguém observa que uma pessoa faz algo “por interesse”, você imagina sacanagem. Pode ser uma ação grandiosa em benefício do próximo, pode ser uma doação generosa, seja o que for, assim que você relaciona o ato com o interesse do agente, coloca ali uma mancha. As pessoas pensam que há algo obscuro por trás do que foi feito.
Só que todas as relações humanas são movidas por algum tipo de interesse, nem que seja o de se sentir bem fazendo o bem. Até os bichos agem por interesse. O cachorro é leal porque você o alimenta e cuida dele. Se a mão que afaga for a mesma que apedreja, logo ela será mordida.
Não há nada de errado nisso, sobretudo se os interesses estiverem claros. Nas relações institucionais não é diferente. Por essa razão, não vejo problema em uma empresa financiar a campanha de determinado candidato. Se o candidato defende causas que interessam à empresa e isso fica posto e exposto, o que é que tem? O problema existe se a empresa financia TODOS os candidatos. Porque aí se torna evidente que não há coincidência de ideias ou causas; há coincidência de ganhos.
Nos Estados Unidos, essas relações ficam às claras. O eleitor sabe que certa empresa financia certo candidato por certas razões. Vota nele se concordar com isso. Também a profissão de lobista é encarada com naturalidade. Se o sujeito amealhou poder de influência com sua atuação profissional, o fez por méritos, e não há pecado em usá-los em troca de remuneração.
O jogo democrático se faz por pressões e por interesses. Há deputados que foram eleitos pela comunidade LGBT e deputados que foram eleitos pelos produtores rurais. É legítimo e saudável que defendam os pleitos de seus eleitores. Mas muitas vezes um deputado ruralista acompanhará um voto de interesse da comunidade LGBT e vice-versa. E outras vezes um deputado pode votar até contra a vontade do seu eleitorado, se perceber que o fará para um bem maior.
Isso acontecerá se o deputado for convencido dessa necessidade. Mas ele só será convencido se houver conversa. A conversa é a atividade principal do parlamento: no parlamento se “parla”.
A conversa, portanto, está na base da democracia. Você conversa, entende os interesses do outro, expõe os seus, negocia e convence. É assim que funciona. Não é uma troca de favores, não é o famigerado toma lá dá cá, ninguém está sendo comprado ou vendido. Na boa política, o que se busca é o entendimento. Um cede um pouco aqui, o outro cede um pouco ali, e todos vão em frente.
É importante que seja assim, porque é no Congresso que as minorias têm defesa. O Congresso é a maior e mais ampla representação do povo, não o Executivo.
Bolsonaro, apesar de seus quase 30 anos de Congresso, não conseguiu compreender essa mecânica. Ele não se comporta como um presidente de poder, comporta-se como um pequeno rei, ora birrento, ora mimado, não raro apenas bobo. Por não compreender o seu papel na democracia, Bolsonaro começa a perder o patrimônio que acumulou na campanha eleitoral. Se continuar assim, não terá força nem para dar liberdade de ação aos seus dois superministros, e lhe sobrará tão somente o debate ideológico contraproducente e tolo. Governar é diferente de mandar. Ou Bolsonaro percebe isso, ou não governará.