Há um restaurante texano a seis ou sete quadras de onde moro. Gosto de lá, porque eles servem costeletas de porco com molho agridoce e, no subsolo, tem um barzinho com uma banda que toca blues. Bem. Tempos atrás, decidimos ir em alegre bando a esse restaurante: nove pessoas. Fiz a reserva e, na hora aprazada, lá estávamos nós. Só que estávamos em sete – a famosa arquiteta Cris Camps e a famosa agropecuarista, internacionalista e trip instagrammer Vitória Camara iam chegar um pouco mais tarde. Sem problemas, nós nos acomodaríamos e nos entregaríamos aos aperitivos até elas aparecerem. Esse era o plano, um bom plano. Mas a hostess do restaurante disse:
O célebre jeitinho brasileiro é muito criticado, mas só ele nos faz sobreviver. Só que o coletivo naufraga.
– Não!
Estranhei:
– Não o quê?
– Vocês não podem sentar agora. A mesa é para nove, não para sete.
Ri. Achei que ela estivesse brincando. Não estava. Expliquei que as duas famosas chegariam um pouco mais tarde e que, enquanto isso, nós ficaríamos aperitivando. Ela não cedeu:
– A mesa é para nove.
Olhei em volta. Não havia muitas mesas ocupadas. Perguntei se ela pretendia ceder nossa mesa para outras pessoas. Ela respondeu que não. A mesa aguardaria por nós, enquanto nós aguardávamos as nossas amigas. Pisquei de perplexidade.
– Olha só – falei com calma, escandindo as sílabas, para ela me entender: – A mesa vai ficar lá, vazia, e nós vamos ficar aqui, de pé, esperando. É isso?
– Sim – sentenciou ela. – A mesa é para nove, não para sete.
E não houve jeito de convencê-la. Tivemos de esperar a arquiteta e a instagrammer e só depois que elas chegaram é que nos instalamos.
Esse tipo de ocorrência é bastante comum por aqui. Os americanos são treinados para cumprir regras e as cumprem. Se algo sai fora do estabelecido, eles se atrapalham. Eles planejam, preparam, antecipam, ensaiam. Na hora da ação, tudo tem que sair exatamente como o combinado. Não há espaço para o improviso.
Isso é ótimo, porque você sabe o que esperar. Não há surpresas ruins. Além disso, os seus direitos estão garantidos. Se você quer uma coisa e pode, eles respondem “sure!”, claro!, e é seu. Mas, se não puder, é “sorry”, desculpa, e não há como convencê-los a mudar de ideia.
Em compensação, toda essa rigidez impede que eles façam pequenos desvios para chegar mais rápido a algum lugar, como no caso do restaurante texano. Quando o inesperado surge, os americanos têm de seguir o manual. Se o inesperado não é previsto pelo manual, eles ficam atordoados.
É o contrário do Brasil. No Brasil, como não podemos contar com a eficiência do sistema, somos obrigados a improvisar. O sistema a que me refiro não é apenas o Estado. Não. Também a nossa iniciativa privada é inconfiável. Assim, temos de dar um jeito. O célebre jeitinho brasileiro é muito criticado, mas só ele nos faz sobreviver. É por isso que somos os melhores no futebol e os americanos são ruins. Porque o futebol é o esporte do improviso. É mais jogo do que esporte. Já nos outros esportes, em que são indispensáveis treino, repetição e antecipação, os Estados Unidos são imbatíveis.
Como o esperto cachorro vira-lata, que se vira muito bem na selva das cidades, nós negaceamos, nos esquivamos, driblamos e vamos em frente. Isso dá ao brasileiro uma flexibilidade e uma capacidade de adaptação invejáveis. O indivíduo cresce na dificuldade. Aprende com a escassez. Mas o coletivo naufraga. Pessoas ágeis, país travado.
Na quarta-feira, por exemplo, li a seguinte matéria em GaúchaZH: “TCE aponta mau planejamento como principal causa de atrasos nas obras da Copa de 2014 em Porto Alegre”.
A Copa de 2014 começou e terminou, outra Copa começou e terminou, mais uma vem vindo, e as obras não ficaram prontas. Por mau planejamento. Porque as regras não foram cumpridas. Francamente. Às vezes, é melhor ter que cumprir uma regra estúpida, como aquela do restaurante texano, do que não seguir regra alguma.