O Japão é o suprassumo da civilização. Os japoneses são educadíssimos e extremamente práticos. Tudo, no Japão, é feito para ser fácil, rápido e limpo. Por isso, não entendo aqueles hashis deles. Os hashis são os pauzinhos que os japoneses usam para comer. Você sabe disso, porque sua mulher adora comer sushi e você vai junto ao restaurante japonês e tem que manusear aquela coisa. Não tem lógica. Por que eles não usam o garfo? O garfo é muito mais funcional.
Hoje penso: como as pessoas podiam viver sem o garfo? Algo tão simples e tão importante...
Milênios atrás, até entendo que o hashi fosse mais uma prova da superioridade dos orientais sobre os ocidentais. Sim, porque o hashi era bem mais higiênico e inteligente do que o nosso sistema. Nós, ocidentais, comíamos com as mãos. Pessoas refinadas valiam-se de apenas três dedos para capturar a comida, grosseirões do IAPI pegavam-na com a mão inteira. Ensopados eram tomados direto na tigela ou com pão – depois é que surgiu o aperfeiçoamento da colher. A carne era cortada e espetada com a faca. Em geral, cada homem levava sua faca para onde fosse e com ela fazia as refeições.
Foi aí, a partir da faca, que apareceu o primeiro melhoramento: um garfo de dois dentes, com o qual o comensal firmava a peça de carne para fatiá-la. Os caras até tentavam equilibrar a comida naquele garfo, mas a base estreita, formada por apenas dois dentes, não dava garantias de um trajeto seguro do prato à boca. A comida caía tristemente e espalhava-se pela mesa.
Muitos séculos se passaram com as pessoas sofrendo constrangimentos no almoço e no jantar, até que surgiu um bidu com a seguinte ideia:
– Ei! E se nós colocássemos um dente a mais no garfo?
Foi o que fizeram. Então, com três revolucionários dentes, as pessoas passaram a ter mais facilidade para comer. Mas ainda não era o ideal, a massa dos italianos escorria pelo tridente e a igreja condenou seu uso, porque lembrava o forcado com o qual o diabo sempre era representado pelos pintores da época.
Outro naco de tempo se passou, e os homens continuaram matutando a respeito daquele problema complexo. Pensaram, pensaram, pensaram e, por fim, um gênio propôs:
– Vamos pôr mais um dente no garfo?
Puseram e, eureca!, deu certo! Agora, as pessoas podiam conduzir um considerável punhado de comida à boca sem acidentes e sem lambuzar as mãos. A novidade fez tanto sucesso, que algum exagerado resolveu afixar mais um dente ao garfo. Péssima ideia: pessoas de boca pequena, como Mona Lisa del Gioconda, achavam incômodo pôr todos aqueles dentes entre os dentes.
Foram os florentinos, o povo mais refinado do mundo na época do Renascimento, os primeiros a utilizar o garfo rotineiramente nas refeições. Um deles, Catarina de Médici, levou esse hábito para Paris, quando ela se tornou rainha da França. A partir daí, o garfo se consagrou.
Hoje penso: como as pessoas podiam viver sem o garfo? Algo tão simples e tão importante... Mais: como as pessoas passaram tantos séculos sem conceber esse instrumento que hoje é óbvio?
Mas as pessoas viveram todo esse tempo sem sentir falta do garfo. Eram bárbaros os nossos antepassados.
Isso me faz pensar: o que os pósteros dirão de nós daqui a um século, daqui a mil anos? Que costumes fazem parte do nosso dia a dia que serão impensáveis para nossos descendentes?
Pense nisso até a próxima coluna, na qual direi o que eu mesmo penso.