Pedro Tonon Geromel é o maior zagueiro da história do Rio Grande do Sul em todos os tempos, amém. Não me venha com Aírton, o Pavilhão, não me venha com Nena, o Parada 18, não me venha com Luiz Luz, o Fantasma da Área. Esses não vi jogar, mas duvido que tenham jogado mais do que Geromel. Também não me venha com Figueroa, Gamarra, Lúcio, De León, Mauro Galvão e Oberdan, porque esses vi, e sei que jogaram menos.
Geromel é o homem de borracha. De repente, a perna dele se enrosca nas pernas do atacante adversário e lhe subtrai a bola sem que ninguém no estádio consiga entender como aquilo aconteceu.
Não duvido que, algum dia, Pedro Geromel tenha escrito poesia.
Uma vez, na lonjura dos anos 1970, li na Revista Placar um texto sobre o zagueiro Beto Bacamarte, que dizia: “Quando ele sobe, parece alcançar os refletores do Estádio Olímpico”. Os refletores da Arena estão postos mais acima, e Geromel passa deles.
No bote, Geromel é cascavel.
Na antecipação, pantera.
Mas o que mais impressiona, quando Geromel está em campo, é que ele não ri.
Olhe para Geromel na vida civil. Ele tem o cabelo que a vaca lambeu e cara de guri que joga Fortnite. Ele é pernalta como uma avestruz e cronistas antigos diriam que parece fora dos gonzos. Ou seja: é desencaixado, quase escalafobético. Além disso, é educado como uma normalista. Não duvido que, algum dia, Pedro Geromel tenha escrito poesia.
Você argumentará que o zagueiro tem de passar longe da poesia. Ledo Ivo engano, e há jurisprudência provando o contrário: quando chegou a Porto Alegre, Elías Figueroa foi convidado para um jantar na casa de Luis Fernando Verissimo. Lá estavam, também, Ibsen Pinheiro e Ruy Carlos Ostermann, além de outros notáveis que não foram notados, pois não sei quem são. Não interessa. O que interessa é que, ao final do convescote, Figueroa estava já no alpendre e olhou para o céu e avistou uma estrela mais coruscante e tascou:
"Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Escribir, por ejemplo: ‘La noche está estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos’.
El viento de la noche gira en el cielo y canta.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.
En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito".
São versos do famoso Poema 20, de Neruda. Todo chileno sabe, é como se um brasileiro declamasse "minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá". Mas, para o pessoal que estava no jantar, aquilo era extraordinário: um zagueiro que gostava de poesia… Figueroa cresceu mais uns três centímetros naquela noite.
Portanto, Geromel pode, sim, ter cometido os seus poemas e talvez até um dia lance um livro com o título (Des) Encontros, mas não importa, porque, no momento em que ele entra na camisa do Grêmio, ele não tergiversa, ele não vacila, ele não é nada lírico.
Ele não ri.
Cristiano Ronaldo bem sabe disso. Aquela canela depilada dele não é mais lisa: ostenta, desde dezembro passado, as garras do tigre listrado de azul, preto e branco.
Pedro Geromel já fez história, e mais fará. Tite deveria começar a Seleção por ele. Se tivesse feito isso em junho passado, o Brasil teria outra taça de ouro para ser derretida à sorrelfa. Porque Geromel, na verdade, é mais do que o maior do Rio Grande; é o maior do Brasil. Da história do Brasil. Não me venha com Luís Pereira, não me venha com Belini, não me venha com Domingos da Guia. O nome do homem é Pedro Tonon Geromel.