Era o reduto da Tânia Carvalho e do Tatata Pimentel, entre outros personagens feéricos da Porto Alegre dos anos 1970. Um dos artistas que o Encouraçado recebeu foi Miriam Makeba, a cantora do Pata Pata. Miriam era uma negra sul-africana e cantava essa música, Pata Pata, na língua xhosa, a mesma de Nelson Mandela.
Eu era guri quando o Pata Pata fez sucesso. Havia uma paródia em português:
"Tá com pulga na cueca
Já vi, vou catar".
A letra original, em xhosa, era assim:
O bar é lugar de congraçamento. As pessoas vão ao bar para se encontrar, para se aproximar, para exercer sua humanidade.
"Sat cuguga sat ju benga sat si pata pata
Sat cuguga sat ju benga sat si pata pata".
Adulto, tive curiosidade de descobrir o que a canção queria dizer. Fui procurar a tradução. Que é a seguinte:
"Sat cuguga sat ju benga sat si pata pata
Sat cuguga sat ju benga sat si pata pata".
Os mistérios da língua xhosa…
Eu aqui, francamente, não sou entusiasta de bares com música ao vivo. Já fui mais. Nos anos 1980, havia o Pimplus, na Getúlio Vargas, que nós frequentávamos em alegre e esfomeado bando, sobretudo às segundas-feiras, quando tinha carreteiro de graça. Assim que entrávamos no bar, o músico, um cara de bigode que usava chapéu coco, parava de cantar o que estava cantando e começava:
"Quando eu chego em casa nada me consola
Você está sempre aflita…".
Aí nós emendávamos:
"Lágrimas nos olhos de cortar cebola
Você é tão bonita…".
Era uma espécie de marca nossa.
Já fui grande cantor de bar, se você quer saber. No Edelweiss, que ficava entre o Cine Astor, que não existe mais, e o Teatro Presidente, que também não existe mais, no Edelweiss nós íamos todas as sextas. Eu vinha da Famecos. Abria a porta e, antes mesmo de alcançar a mesa, o Tio Beto, dono do bar, vinha do balcão com uma cerveja branquinha de tão gelada, me saudando:
– Esta é a melhor maneira de dizer boa noite.
Uma lágrima de emoção brotava no canto do meu olho.
A pizza de panela do Beto era especial, mas a paciência dele mais ainda, porque ficávamos cantando até de manhã. O pessoal do Taranatiriça também ia lá e também cantava, todo o bar cantava. Quando saíamos, oh, o sol estava alto no céu.
A manhã é a pior parte da noite, porque o boêmio é como o vampiro: o sol lhe faz mal. É melancólica a sensação de estar voltando para casa para dormir enquanto os outros estão saindo de casa para trabalhar.
Eu morava em um prédio ali na Portugal. Chegava ao edifício e a zeladora já estava lavando os corredores afanosamente. Passava por ela muito ereto, tentando preservar uma réstia de dignidade, cumprimentando com voz pretensamente sóbria:
– Bom dia, dona Arlene. Como tem passado?
Ela devolvia um sorriso malicioso e comentava:
– Foi boa a noite?
Eu tentava manter a pose:
– Estou vindo da padaria…
Acho que ela nunca acreditou.
Bares com música. Um histórico foi o Cult, no Nova Olaria. A dona se chamava Graça, era uma morena bonita. Sei de alguns gaiatos que iam ao bar só para admirá-la, mas ela nem aí para olhares oblíquos. Moça séria.
A Cida era a gerente e sempre arrumava mesa boa para nós. Ficávamos lá, tomando sopa de ervilha e ouvindo aqueles blues. Sou um cara do blues, man.
Mesmo assim, vou a bares menos pela música eventual e mais para beber, comer e, principalmente, conversar. Por isso escrevi sobre os bares nesta semana. Porque o bar não é lugar de gente bêbada como alegam os moralistas. Não. O bar é lugar de congraçamento. As pessoas vão ao bar para se encontrar, para se aproximar, para exercer sua humanidade. No bar, você ri com o outro e ouve o outro, você desabafa e consola, você abraça e pode até beijar. No bar, acontecem coisas boas. Vamos ao bar.