São Petersburgo exala poder. Em cada edifício elegante de estilo barroco, rococó ou neoclássico, em cada alameda sombreada por árvores e colorida por flores, em cada uma das amplas avenidas, no chão rebrilhante dos palácios, no bronze polido dos monumentos e até na Zenit Arena, o mais caro estádio do planeta, onde o Brasil enfrentará a Costa Rica, nesta sexta-feira (22) de manhã, em cada pedaço desta lindíssima cidade está gravada a marca profunda do poder.
Não admira: São Petersburgo nasceu grandiosa. Seu fundador, o czar Pedro, o Grande, erigiu-a para que fosse sua capital e para que empurrasse a Rússia Europa adentro. Conseguiu. São Petersburgo reúne o romantismo de Paris ao cosmopolitismo de Londres.
Nesta quinta-feira (21), eu, o Potter e o Duda visitamos o Museu Hermitage, que fica no meio do peito de São Petersburgo. Chamar esse lugar de majestoso é uma redução. O Hermitage é formado por nada menos do que 10 palácios perfilados às margens do Rio Neva. Sua coleção de arte começou a ser montada pela imperatriz Catarina, a Grande, que não era parente de Pedro, mas também sabia transformar o poder em glória. Graças a Catarina, o Hermitage ganhou relevância e se consagrou como um dos maiores museus do mundo. Se eu, o Duda e o Potter nos detivéssemos um minuto diante de cada obra do acervo do Hermitage, levaríamos cinco anos e meio para ver tudo. Como temos de assistir ao jogo do Brasil, deixamos esse projeto para outro dia e nos contentamos com algumas poucas horas de contemplação.
Tenho de me reprimir para não ficar escrevendo em demasia sobre Catarina, uma das minhas personagens históricas preferidas. Ela não era russa, era alemã. A czarina Isabel, filha de Pedro, o Grande, escolheu-a para se casar com seu filho, outro Pedro, que herdaria o trono. Isabel achava que uma princesa da segunda divisão da nobreza europeia seria modesta e servil ao marido. Cometeu um erro de avaliação do tamanho da Rússia.
Catarina era uma mulher forte de ferro, que sabia (e conseguia) o que queria. Resolvida a ser de fato a soberana da Rússia, dedicou-se a aprender a língua russa, o que, garanto, não é nada fácil. Ao mesmo tempo, tentava agradar ao marido Pedro, mas isso já era mais difícil. Pedro era infantiloide. Gostava de vestir uniformes militares alemães e brincar com soldadinhos de chumbo. Durante sete anos, o casamento não foi consumado, e não era porque Pedro preferisse rapazes a moças. É que ele tinha o que se chamava de prepúcio curto. A ereção causava-lhe dor. Então, Pedro cuidava de não ter ereções.
Depois de todo esse tempo de inatividade, Catarina procurou a imperatriz e pediu-lhe permissão para ter um amante. Isabel, resignada com a incompetência do filho, permitiu. Catarina escolheu um jovem do seu agrado, gostou da coisa e não parou mais. Tornou-se uma insaciável colecionadora de amantes. Tinha preferência por jovens soldados. Botava o olho num e mandava um secretário conversar com ele. O detalhe é que Catarina era feia, o que foi admitido por ela própria em suas memórias. Ou seja: nem sempre ser amante da rainha era uma tarefa agradável. Só que ninguém recusava a proposta, porque, em geral, o trabalho era regiamente recompensado.
Mas havia algumas etapas a cumprir, antes de penetrar nos aposentos reais. Primeiro, o candidato era examinado por médicos, para saber se ele não estava contaminado por alguma doença venérea. Depois, uma dama de honra da imperatriz o entrevistava e deixava claro do que Catarina gostava e do que não gostava nas atividades intralençóis. Por fim, essa dama de honra "experimentava" o moço, para avaliar seu desempenho. Finalmente, o rapaz era admitido. Refocilava-se com a rainha até ela se cansar. Então, era dispensado, levando em troca um palácio e uma pensão vitalícia.
Quanto ao menino Pedro, o tal do prepúcio curto, seu fim foi breve. Depois da morte de Isabel, Catarina mandou que um de seus amantes, Grigory Orlov, o estrangulasse até a morte. O pequeno Pedro morreu e o povo não reclamou. Todo mundo gostava dela e ele tinha uma popularidade de Temer.
Catarina é um dos símbolos de São Petersburgo, junto com Pedro, o Grande. Mas esta cidade notável não é nobre apenas para a monarquia. Foi aqui, na Estação Finlândia, que Lênin chegou em um trem que vinha de Zurique para fazer a Revolução de Outubro. Desde que li o clássico Rumo à Estação Finlândia, de Edmund Wilson, quero conhecer esse lugar e escrever sobre ele. Mas essa história fica para outro dia. Nesta sexta-feira, o que interessa é o jogo do Brasil, que será realizado nesta cidade em que o poder está no ar. E isso talvez seja alvissareiro. Talvez essa energia de São Petersburgo influencie os jogadores na tarde russa, manhã da sexta-feira brasileira. Que o Brasil comece sua jornada de conquista do poder. De conquista do mundo.