Lá estava eu, bem em frente a Starry Night, A Noite Estrelada, de Van Gogh, pendurada em uma parede nobre do quinto andar do MoMA, de Nova York. Meu filho, entusiasmado com a pintura, fazia perguntas, e eu tentava respondê-las. Fui falando sem tirar os olhos do quadro, esforçando-me para me lembrar do que havia lido sobre Van Gogh. Mas não foi disso que mais falei. O que mais falei foi do que estava vendo naquele exato instante, e do que estava sentindo.
Olha, disse para ele, olha bem: esse quadro é uma janela. É a janela de um hospício do interior da França, onde Van Gogh se internou depois de ter cortado um pedaço da própria orelha. Imagina o sofrimento dele, para decidir se internar em um manicômio. O desespero para encontrar ajuda. Esse sofrimento todo ele despejou muitas vezes na tela branca. Muitos quadros de Van Gogh gritam de dor. Mas, neste caso, não. Neste caso, não houve dor, e sim deslumbramento.
Ele escreveu uma carta para o irmão Theo contando que, em uma madrugada de verão, acordou e ficou olhando pela janela do seu quarto no sanatório. Permaneceu ali durante muito tempo, até o amanhecer, e foi essa a noite estrelada.
Lembrei-me de uma madrugada do meu passado, quando tinha vinte e poucos anos e acordei sozinho, deitado em um colchonete que me servia de cama. A luz da lua entrava por uma grande janela francesa sem cortinas. Ao meu lado, no chão, havia um radinho de pilhas, e o liguei, e um pedaço de Paralelas, do Belchior, saiu limpo do aparelho e começou a flutuar pelo quarto. "Como é perversa a juventude do meu coração, que só entende o que é cruel, o que é paixão". A melodia suave e a poesia precisa de Belchior me tocaram, e senti a grandeza do mundo e a pressa da juventude, que só se move pela paixão. Foi algo que me estourou no peito, porque entendi que aquilo não se podia controlar.
Supus que era o que sentia Van Gogh naquela madrugada, em um quarto de hospício, vendo o dia amanhecer. A luz revolta das estrelas, a lua resplandecendo amarela, o céu azul redemoinhado, a paisagem inteira subalterna ao poder da natureza e da vida.
Olha, disse, e pensa que, há cento e trinta anos, num vilarejo desconhecido do interior da França, um homem estava olhando para essa cena pela janela de um hospício. Ele não tinha praticamente ninguém no mundo, ele não tinha sucesso, nem dinheiro, nem mesmo alegria. Ele se achava insignificante, mas era grande. Tanto que, agora, tanto tempo depois, nós estamos olhando para o que ele viu, e tentando entender o que ele sentiu. Não é a realização de uma vida?
Não sei se meu filho entendeu. Mas ele pediu uma reprodução do quadro de Van Gogh e, agora, na parede do seu quarto, abre-se uma pequena janela para um vilarejo da Provence do século 19, e para o coração de um homem que se sentia solitário e pequeno, como todos nós, muitas vezes, nos sentimos. E somos.