Você já viu o enredo desta história: agentes públicos se reúnem com emissários de empresas privadas fora das instalações públicas, em geral em um restaurante, para negociar contratos milionários em áreas-chaves do poder. É uma velha prática de quem tem receio de fazer tudo às claras, onde tem que ser, e deixar margem para a conversa ir além dos valores contratuais.
O tema mais quente de Brasília hoje tem contornos do velho modus operandi da política brasileira. Velhas práticas que nunca não acabaram, infelizmente.
O representante da empresa Davati Medical Suplly contou ao jornal Folha de S.Paulo que se reuniu em um restaurante com o diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, e um outro funcionário — um militar — para iniciar negociações para a venda da vacina AstraZeneca/Oxford contra a covid-19.
Primeiro: quem se reúne fora do ministério para fazer este tipo de negociação? Por que aceitar discutir fornecimento deste imunizante se a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) já está produzindo aqui a vacina?
O representante desta empresa conta que ofereceu o contrato para venda da vacina, e a resposta do diretor de Logística — exonerado na terça-feira (29) — teria sido de que não teria como levar adiante se não houvesse pagamento de propina: US$ 1 por dose fornecida.
Os elementos estão colocados à mesa. Agora, caberá uma rigorosa investigação para puxar o fio do novelo.
O diretor, indicado político do deputado Ricardo Barros (PP), figura proeminente do Centrão, um dos líderes governistas no Congresso, precisa ser ouvido pelas autoridades imediatamente.
Quem era o militar que estava com ele na reunião? Além de negociar vacina com propina, pressionar pela Covaxin, o que mais teria feito o servidor? E para quem seria o dinheiro da propina?
Cobrar propina é grave em qualquer circunstância. Negociar isso no meio de uma pandemia, com imunizante para salvar vidas, é um crime ainda mais deplorável.