Em 2006, um grupo de empresários gaúchos se reuniu para criar um movimento com o ambicioso objetivo de tornar o Rio Grande do Sul "o melhor Estado para se viver e trabalhar". Batizada de Agenda 2020, a iniciativa conseguiu chamar atenção para os problemas históricos dos gaúchos, apontou possíveis soluções e cobrou o compromisso dos governadores que se sucederam no poder.
A agenda mirava o futuro, 2020. Pois bem, chegamos ao prazo e o Rio Grande do Sul está longe do ideal, patina em indicadores de educação, de desenvolvimento econômico e perde espaço para outros locais, como Paraná e Santa Catarina. Ronald Krummenauer ficou à frente da agenda por 11 anos, até 2017, quando assumiu a Secretaria de Educação. Agora, acerta os detalhes para um novo desafio estratégico para o Estado, o Transforma RS.
Em que pontos a Agenda 2020 conseguiu avançar?
Algumas coisas avançaram, outras nem tanto. Projetos estruturantes são importantes e vão estar sempre na pauta. Esse compromisso, de um movimento de sociedade, feito por voluntários, teve fóruns temáticos diversos: educação, infraestrutura, cidadania, todas as áreas importantes de desenvolvimento. Eu ressaltaria a atuação, em 2009, via Lei de Inovação e Tecnologia, a mais moderna do Brasil na época, com o secretário (de Ciência e Tecnologia) Arthur Lorentz, no governo Yeda Crusius, em que a Agenda 2020 foi determinante na costura da legislação. Isso possibilitou que muitos parques tecnológicos se consolidassem. Não os que a gente já conhecia, como o Tecnopuc e o Tecnosinos, mas nas universidades do Interior. Aliás, faltam pessoas para ocupar empregos em parques tecnológicos. No governo de (José Ivo) Sartori, houve projetos estruturantes, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, um avanço tremendo. Essa organização de 60% para o funcionalismo, 20% de outras despesas, 10% para investimentos e 10% para pagamentos de dívidas e negociação, é algo que o governo sempre tem de buscar.
A Agenda 2020 ajudou a derrubar o estigma que existia em torno das PPPs?
Acho que sim. Não só nesse aspecto. Não falávamos de Previdência ou de déficit da Previdência e a Agenda começou a trazer esses números. Entre 2006 e 2008, era em torno de R$ 2 bilhões o déficit da Previdência. Hoje, estamos em R$ 12 bilhões. Se tivéssemos feito só essa reforma há 12 anos, independentemente dos governos, hoje teríamos não só um superávit financeiro como capacidade de investimento, que não temos. Teríamos outro Estado. A Agenda foi sempre geradora de ideias, de proposições. O movimento criado por voluntários não é de governo, não é certo ou errado, não deu certo ou deu errado a partir do que um governo fez ou não. O que faz é ajudar o governo a clarear e a montar projetos que podem mudar a vida.
Sobre a reforma da Previdência: se o alerta foi feito, o que faltou?
Faltou a nós, como sociedade, darmos importância para esse tema que, agora, é recorrente. Depois, e aí faço autocrítica, a Agenda 2020 pecou na articulação política. Levamos um tempo até entender que não era só ter espaço de comunicação, ter propostas e voluntários com grande capacidade intelectual. Era preciso fazer a costura política. Isso começou recentemente e passou a dar mais resultado, principalmente nos últimos anos — alguns desses projetos a partir da Lei de Inovação e Tecnologia. Mas levamos um longo tempo para entender que precisava de articulação. A velocidade da política e da vida real não combinam. Talvez um dia a gente possa ter um encontro de tempos mais precisos, mas isso é da vida, temos de entender, porque graças a Deus vivemos em uma democracia.
Qual ideia emblemática da Agenda 2020 não foi colocada em execução?
Vou citar a educação, em que tive a oportunidade de exercer a função de secretário recentemente. Deixamos de estruturar as questões de educação. Deixamos o tempo passar. E não estou falando especificamente de plano de carreira. Estou falando de Lei de Diretrizes de Ensino, que a do Rio Grande do Sul é de 1969. Ainda há tempo se corrermos muito, preparando esse profissional para o século 21. E aí faço uma conexão entre o que precisamos estruturar como sociedade, tanto na política quanto na economia, no público e no privado, e a preparação desses profissionais.
Que tipo de estruturação é necessária?
É a estruturação do profissional, a educação como algo maior, que precisamos reinventar. Esse passado em que você poderia ficar 15, 20, 30 anos em uma profissão fazendo mais ou menos a mesma coisa, se aposentar e ser feliz, isso não faz mais parte do nosso mundo. E esse desafio está ligado à educação do século 21, à reestruturação do que está sendo feito e à necessidade de treinar esse novo profissional, ajudar esse aluno, esse jovem na escola a entender e a buscar isso. Aquilo que é repetitivo está sendo automatizado e vai ser substituído. Se um jovem que está ingressando no mercado de trabalho está fazendo algo que pode ser trocado por algum mecanismo, será substituído. Tem de buscar reformulação, e isso passa pela educação. Muito maior do que as discussões que estão acontecendo hoje, muito maior do que as discussões de qualquer tempo, de qualquer governo. De fato, educação nunca foi prioridade para nenhum dos governos. Nem de Estado, nem de município, nem federal. Isso é um pouco de frustração profissional versus sentimento. É emocional e técnico ao mesmo tempo. É o grande "x" da história da Agenda 2020, se fosse fazer checklist.
Em matéria de infraestrutura, o que faltou acontecer?
Muita coisa. O emblemático é ainda a discussão do aeroporto Salgado Filho, a extensão da pista. Se calcula mais de R$ 1 bilhão de negócios que deixam de ser gerados por ano ali. Se a gente coloca isso em 10 anos, é emprego dado em Viracopos, em Guarulhos, em São Paulo, em vez do Salgado Filho. No terminal de cargas, é imposto que deixa de ser gerado, são empresas que se inviabilizaram porque têm o aumento do custo de transporte, que tem de colocar (a carga) no caminhão e se deslocar para São Paulo em vez de colocar em um avião de carga no Salgado Filho. Às vezes, a gente não tem a dimensão de quanto isso pode representar em termos de economia mas quando a gente joga em uma década, tudo vira bilhões. É emblemático e importante. Dentro da infraestrutura, é o mais frustrante. Tomara que agora aconteça.
O que é o Transforma RS?
A gente tem trabalhado há alguns meses. Tanto a Polo RS, que tem história grande na atração de investimentos, está ajudando o governo do Estado na reestruturação desta área quanto a Agenda 2020, com projetos estruturantes. E há o PGQP (Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade), que trabalhou muito com processos. A união dessas questões todas estamos trabalhando em três eixos. Um de dia a dia, que tem muito a ver com processos e necessidades, desde a reforma de uma escola ao buraco em uma via, aquilo que é percebido pela sociedade. Há um eixo estruturante, que são os projetos da Agenda 2020, que o governo anterior trabalhou muito e o atual continua trabalhando. Parte disso são medidas que estão sob análise da Assembleia Legislativa. Também não podemos perder o foco de futuro, no que o RS pode ser competitivo ou já é nesse mundo novo? É no agronegócio? Que parte do agronegócio? É na TI, com parques tecnológicos? O que dentro disso? Então, é no que podemos nos diferenciar e na formação da educação. O equilíbrio destes eixos é o que estamos chamando de Transforma RS, que vai ter o trabalho iniciado em 2020.
Qual é a bola de ferro do RS?
Além da questão da educação, é a organização da gestão pública. Temos um poder público hoje que é completamente incompatível, temos impostos dos mais elevados do Brasil. Há algum tempo estive em Blumenau e paguei cerca de R$ 0,50 mais barato o litro da gasolina. Então, essa reorganização da gestão pública, que não é culpa do servidor ou de um governo específico, mas de uma história que nós, sociedade, deixamos ir piorando um pouco mais a cada ano e nunca demos um basta. A desorganização da gestão pública tenho certeza que é a bola de ferro do nosso desenvolvimento. Quebrar essa bola de ferro pode nos levar para outra situação.