Presidente do movimento Todos pela Educação, uma das organizações mais prestigiadas na defesa do tema no país, Priscila Cruz costuma fazer uma comparação com o esporte para resumir a situação brasileira: "Se fosse uma partida de futebol, teríamos vencido o primeiro tempo, mas perdido de goleada no segundo. E isso é uma derrota".
Para ela, o primeiro tempo são as séries iniciais, em geral sob a responsabilidade dos municípios. A goleada é o restante da trajetória, principalmente depois do quinto ano. Em abril, quando assumiu o Ministério da Educação, Abraham Weintraub prometeu mudar a prioridade do governo para atender melhor o Ensino Fundamental. O Todos pela Educação, que monitora as ações do governo, não encontrou evolução a partir da promessa do MEC.
Confira a entrevista
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, assumiu o cargo indicando que daria prioridade ao Ensino Básico em relação ao Ensino Superior. Houve avanço?
Infelizmente, não. O que aconteceu, até pelas restrições orçamentárias, foi o inverso: encaminhamento de recursos que estavam na educação básica para cobrir alguns rombos deixados pelo Ensino Superior. Para ser justa, a Secretaria de Educação Básica conseguiu avançar em alguns programas importantes e que são de gestões anteriores, como o Educação Conectada. Por outro lado, a Secretaria de Educação Básica gastou muito tempo, energia e recursos com programas que não têm nenhuma relação com o aprendizado das crianças: como o disque-denúncia, o Educação em Prática e as escolas cívico-militares. São desperdícios de tempo e de recursos, que poderiam ser aplicados nos programas que vão realmente fazer com que a gente consiga melhorar os resultados.
As escolas cívico-militares são uma bandeira do governo para melhorar a educação pública. É um caminho?
Essas escolas podem até ter uma aparência de qualidade, mas o que se transformou em escolas cívico-militares não têm nada a ver com as escolas militares. É importante fazer essa distinção. As escolas militares têm custo por aluno três vezes maior do que uma escola regular. O investimento é equivalente ao de uma escola particular de elite. Você atende alunos que são filhos de militares, alunos de classe média alta para os padrões brasileiros, há seleção para as vagas remanescentes, absorvendo os melhores estudantes da região. Enfim, tem uma série de elementos que explica o resultado das escolas militares. O que o governo está fazendo é pegar um elemento da escola militar, que é a presença de militares na gestão de forma muito reduzida, porque as escolas vão ter mais ou menos uns três militares, como se isso fosse resolver. E aí deram o nome de escolas cívico-militares, com a presença de alguns militares, mas você não tem todas as outras condições que explicam o sucesso do colégio militar.
O ministro da Educação afirmou que o Brasil estará mais uma vez nos últimos lugares do Pisa na América Latina e atribuiu o desempenho às “abordagens esquerdistas” dos últimos 16 anos. Como você avalia o desempenho no Pisa e a declaração do ministro?
O Brasil permanece em situação muito crítica em sua qualidade de educação. As crianças estão na escola, mas não necessariamente aprendendo. A principal crise do nosso país é a de aprendizagem. Precisamos aprender com outros países. Vietnã, Portugal, ou mesmo os clássicos, Coreia do Sul, Finlândia, Canadá, nenhum país resolve combatendo ou promovendo ideologia. O governo se elegeu dizendo que ia combater a ideologia e o que temos visto é a substituição de uma ideologia por outra. É um erro, é repetir os erros do passado. Precisamos ser mais pragmáticos, olhar para aquilo que funciona sem diversionismo, sem achar que o problema da educação brasileira são professores doutrinadores. O problema da educação brasileira é que os professores não estão sendo formados para garantir a aprendizagem dos seus alunos.
O ministro costuma usar as redes sociais para defender suas bandeiras e não economiza em críticas e ofensas.
Se defendo a liberdade de manifestação de professores, por coerência, também tenho de entender as manifestações do ministro. A questão são as manifestações inflamadas, jogando para a torcida, que repercutem negativamente no seu trabalho como ministro. É impossível separar o Abraham Weintraub das redes sociais e o Abraham Weintraub como ministro da Educação. O ministro mais importante da República é o da Educação, pois é ela que dará condição de o Brasil ter desenvolvimento social e econômico. Mas esse ambiente contamina o trabalho. Quadros muito competentes saíram do MEC e isso afeta a capacidade de execução dos projetos e programas. O governo federal não conseguiu executar parte importante dos seus programas por falta de pessoal. O ministro articula o trabalho de Estados e municípios. Como ele é uma pessoa polêmica, gera série de polêmicas, secretários passam a ter má vontade.
Como você avalia essa decisão do governo de lançar um canal para denunciar professores?
Criar um canal de denúncia de professores em que a família acessa diretamente o governo federal, inclusive com consequência de repasses de recursos a Estados e municípios que podem ser penalizados, não nos parece a melhor estratégia. Isso passa por cima da questão da escola, que é a responsável, em primeira instância, pela gestão dos conflitos escolares. A gente resolve os conflitos com formação de professores. O professor precisa ter muito claro o que tem de ensinar e o que é esperado como resultado do trabalho dele. E tem uma consequência que vai além da questão educacional, que é a interferência de um governo em relação àquilo que as pessoas pensam: moral, religião e visão de mundo que cada um de nós tem. Existe uma diversidade enorme de visões de mundo e isso precisa ser respeitado. Claro que a gente não pode ter doutrinação, falta de respeito, o professor não pode ultrapassar a sua função como educador, mas isso não vai ser resolvido com canal de denúncia.
O ministro mais importante da República é o da Educação, pois é ela que dará condição de o Brasil ter desenvolvimento social e econômico
Há risco de criar uma caça às bruxas?
Não sabemos muito bem o que o governo federal vai fazer com esse canal, com as informações que vão chegar pelo disque-denúncia: se vai ser publicizado ou não, se vão usar para constranger professores, a direção da escola, secretários de Educação, prefeitos ou governadores. A preocupação é qual o limite da interferência do governo naquilo que é uma escolha muito individual, que é a visão de mundo, os valores, a sua religião, o que você pensa. Isso precisa, sim, ser analisado com muito cuidado porque pode haver um exagero de patrulhamento do Estado em relação ao que este governo considera como certo ou errado.
Inspirado no Ceará, o governo do RS pretende utilizar o desempenho na educação como critério para distribuição do ICMS. Como você avalia?
Esse é um bom exemplo de seguir. A gente tem um resultado inconteste do Ceará. Das cem melhores escolas do Brasil, 77 são do Ceará. O Estado soube fazer políticas eficazes que produzem resultados. Não tem nada a ver com ideologias, com professores que são mais de esquerda ou de direita. Lá no Ceará, eles tocaram naquilo que importa. Tomara que o governo do Rio Grande do Sul siga esse caminho, de olhar para aquilo que funciona, fazer as adaptações necessárias para a realidade do Estado. A gente se inspira em determinadas políticas, mas a gente não pode jamais copiá-las. Os elementos que explicam o sucesso do Ceará precisam estar replicados, mas com o tempero do Rio Grande do Sul. Sou favorável a essa prática, pois é assim que vamos conseguir ter resultado um pouco melhor no Brasil.