O projeto mais ambicioso para tentar mudar a carreira do magistério estadual, antes do pacote de medidas apresentado pelo atual governo há duas semanas e que provocou greve da categoria, naufragou antes mesmo de chegar à Assembleia Legislativa, torpedeado pela resistência política ao tema.
Há exatos 10 anos, o governo Yeda Crusius desistia de alterar as regras da carreira mais numerosa do serviço público gaúcho – atualmente são 186.514 matrículas, quase 30% de todo o funcionalismo – vencido por reação do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers-Sindicato) e pela falta de apoio de deputados da base aliada.
A implosão do plano do governo fez a então secretária de Educação, Mariza Abreu, pedir afastamento do cargo, e a discussão para mudar o plano de carreira da categoria demorar uma década para ser retomada.
Há 10 anos, a senhora liderou debate sobre mudança nas carreiras dos professores. O que não deu certo?
Fizemos uma grande discussão com a sociedade e com os professores. Na época, a diretora do Cpers foi convidada, mas não participou porque não quis. Circulamos o Estado todo. Não sei se as medidas iam ser aprovadas ou não, mas o que terminou inviabilizando foi a situação política do governo do Estado em 2009. Em fevereiro daquele ano, foi protocolado pedido de impeachment contra a governadora que tramitou todo o ano e, felizmente, foi rejeitado em outubro. Como a gente ia tramitar na Assembleia um projeto de lei polêmico com um processo de impeachment? Era inviável. Foi por essa razão que nem enviamos o projeto para a Assembleia Legislativa. E foi por essa razão que saí do governo.
A polêmica maior se deu porque o governo queria criar mecanismos de compensação para os professores por mérito. Como isso corrigiria distorções no plano de carreira?
Vou te dizer uma coisa pouco discutida. Esses planos de carreira dos professores datam da década de 1970 e valorizaram muito a formação inicial e aqueles que tinham muito tempo de serviço. Então, até os anos 1970 e 1980, o conhecimento humano se desenvolvia num determinado ritmo, mais lento do que hoje, em que não existia nem a expressão formação continuada. Os profissionais trabalhavam a vida toda com os conhecimentos que tinham adquirido na faculdade. Por isso, o tempo de serviço era tão importante: quanto mais tempo ele atuasse naquilo que fora formado, melhor para ele. Assim, justificava-se o adicional por tempo de serviço. Hoje, é o inverso. O conhecimento humano se desenvolve com tal celeridade, que, se a pessoa continuar fazendo a mesma coisa durante cinco anos, no máximo 10 anos, ela se torna um mau profissional. O serviço federal começou a tirar esses adicionais ainda na década de 1990. Remunerar por tempo de serviço é ruim, não é bom.
E como valorizar, então?
Se valoriza a atualização constante dos conhecimentos. O eixo principal do pacote em 2009 propunha a progressão permanente na carreira e se dava a partir do maior conhecimento de cada profissional, cursos, constante atualização e com provas de conhecimento ao longo da carreira. O professor não seria necessariamente obrigado a fazer. Mas para passar de classe na carreira, teria de acumular pontos de cursos com aproveitamento ou ser submetido a uma prova do governo para conseguir o avanço.
Se o plano de carreira tivesse sido alterado há 10 anos, a senhora acredita que hoje seria necessária essa discussão?
Talvez apenas para aperfeiçoar porque essas coisas nunca são perfeitas. Os professores estão muito desiludidos e com razão. Há quanto tempo eles estão sem aumentos? E o parcelamento? Ninguém parcela porque quer, faz isso porque não tem dinheiro. Agora, é muito mais fácil a categoria se mobilizar contra o pacote do que pela regularização do pagamento, porque isso os professores sabem que não tem como. A mudança da lei, os professores podem tentar brecar, é mais fácil. Uma coisa é preciso compreender: esse plano atual lá atrás, para a categoria, foi vitorioso, pagou melhor, só que ele está ultrapassado, se superou, e é isso que está difícil de conversar com os professores.
Esse plano é de 1974...
É o único Estado nesta situação, viu? As outras 26 unidades da federação têm planos mais recentes. Sempre digo: houve até mesmo uma Constituição nova, Lei de Diretrizes Orçamentárias, então não é possível que o plano de carreira dos professores não possa ser aperfeiçoado.
Os professores estão muito desiludidos e com razão. Há quanto tempo eles estão sem aumentos? E o parcelamento? Ninguém parcela porque quer, faz isso porque não tem dinheiro.
MARIZA ABREU
Ex-secretária de Educação
Que ponto do plano de carreira é o mais atrasado e que hoje poderia oferecer uma carreira melhor?
Duas coisas. Uma é dispersão salarial muito grande entre nível médio e superior, que dificulta muito aumentar o salário do nível superior. Outra questão é uma forma de progressão na carreira absolutamente antiquada, que não articula valorização do magistério com melhoria do ensino para o aluno. O bom professor é aquele cujo trabalho resulta em um aluno que aprende, não é o professor que tem “N” títulos na sua gaveta.
O que a senhora acha do plano deste governo?
Acho que precisa discutir mais o plano. E a Assembleia tem papel fundamental. Isso já aconteceu em vários momentos: como a direção do Cpers fica muito resistente a qualquer processo de negociação, não quer que mude nada, acho que os parlamentares são fundamentais. Em vários momentos de crise, os deputados estaduais ajudavam a mediar a negociação.
Se não houver nenhuma mudança, qual é o futuro da carreira do professor estadual?
Vai continuar envelhecendo sem que se consiga retomar o processo de valorização dos professores. É óbvio que precisa mudar. É chocante ver a diferença entre o magistério e outras categorias. Veja, se nem o ex-governador Tarso Genro, que assinou a lei do piso, conseguiu o piso, é porque essa carreira tem problema mesmo.
Mal-remunerado, sem perspectiva, com uma carreira nada sedutora, quem é o profissional que opta pelo magistério?
Sempre atrai muito candidato. O problema é a qualidade de formação inicial do candidato que busca vaga como professor. Os melhores alunos do ensino médio não vão fazer vestibular para licenciatura. Quando tu vais escolher a profissão, dificilmente pensa na carreira de professor. Se é bom em matemática, procura Engenharia. Se é extraordinário, quer Medicina. Todo mundo pensa assim. Quem hoje está concluindo o Ensino Médio em boas condições, olha para a carreira mal-remunerada e não se dispõe a seguir o magistério.
Tem algum Estado que tem carreira mais atrativa?
São Paulo fez alguma coisa. Mesmo assim, esse é um problema do ensino público no Brasil inteiro.