E quis o destino que em 2019 eu estivesse almoçando no campus da UFRGS com colegas da física após gravar um episódio do podcast Fronteiras da Ciência. E se senta na mesa uma mulher vibrante que, fui saber depois, era a Marcia Barbosa, física internacionalmente famosa, já escrevi aqui. Eles falavam de um podfiction (uma radionovela, digamos) que iria compilar histórias de mulheres da física, baseado numa peça de teatro e serie do YouTube feita por ela e pela também física Carolina Brito, que lidera um projeto chamado Meninas na Ciência.
E, quanto mais eu ouvia, mais fascinada ficava – Serrapilheira financiando; podfiction feminista; um produtor para escalar atores; mil histórias que queriam contar. Faltava um roteirista, não tinha orçamento. Quase ajoelhei e implorei que me escolhessem. Inacreditavelmente, eles toparam. As reuniões começariam em 2020, mas algo iria começar também, sabemos hoje. Os cientistas não pararam; o podfiction, também não. E certamente escrever a Saga da Carlota com elas, mais o Jefferson Arenzon e o Ricardo Severo, via Zoom, foi definitivo para a nossa sanidade mental.
Desafios não faltaram. Eu aprendi a escrever para cinema; mostre, não diga. Mas podfiction não tem imagem! Além disso, não sou física. Como explicar as dificuldades das mulheres nessa área? Coincidência ou não, descobri que os problemas não se resumiam à fisica, mas aquelas histórias poderiam ser de qualquer mulher cientista. E, mesmo, de qualquer mulher.
Mais de uma vez, ao dramatizar um episódio, os meninos da equipe falavam “que exagero, ninguém vai acreditar...” – só para alguma de nós três dizer: isso aconteceu comigo. Nossa heroína, Carlota, persiste na física apesar de ninguém acreditar que isso seria possível; os pais, os colegas, namorados. Soa familiar? O que estimula uma mulher a tentar mudar o mundo, mesmo sem nunca esperar ser reconhecida?
Logo no início contamos a história de Maria Meyer, a segunda mulher premiada com o Nobel de Física. A manchete do jornal de San Diego, onde morava, no dia seguinte, era: “Mãe local ganha o Nobel da Física”. Que dificuldade de admitir que uma mulher pode ser mãe e brilhante; que isso não é o mais importante da notícia. Demos à Carlota o problema estudado por Deborah Jin: é possível criar outro tipo de matéria? Não é coincidência que uma mulher pensasse nisso.
Não encaixamos em um mundo em que chamam só homens para debater o dia das mulheres. Em que acham que mulheres pensam apenas em roupas e sapatos. Na voz de Ilana Kaplan, nossa narradora, dizemos: este é o momento de as mulheres contarem suas próprias histórias. De construir um mundo novo. Trabalho brilhante dos atores que deram voz às nossas histórias, entre eles, Mel Lisboa, Nany People, Fafi Siqueira, Otávio Martins, Samuel de Assis. A Saga de Carlota é um jeito bem legal de celebrar o mês da mulher. Ouve lá!