Enquanto os brasileiros se preparam para mais um Carnaval, na Ucrânia e na Rússia inicia-se uma guerra que era pedra cantada há muito tempo. A pandemia, com certeza, influenciou ambos — mas não foi suficiente para que não acontecessem. Velhos hábitos custam a morrer.
A preocupação dos que partem para destinos costumeiros ou novos, perseguindo o mito redentor do feriado mais longo do ano, com festa ou não, já é bem menor do que no ano passado. E, para os que acompanharam a ciência desenvolvida neste período, faz sentido que seja. A maioria da população está vacinada para a covid-19 no Brasil, ao menos com duas doses — e isso, na prática, é decisivo. A maioria está provavelmente protegida da doença grave. Ainda é pequeno o percentual de pessoas com a terceira dose — que é o que realmente protege das variantes e, portanto, é o que traz ainda preocupação para o feriado.
Aqueles que têm se cuidado sabem o que fazer: evitar ao máximo aglomerar; manter distância e máscara com as pessoas cujos hábitos sanitários na pandemia são desconhecidos. Em grupos de pessoas vacinadas, o vírus vai circular, mas menos. Pessoas não vacinadas que participem dessas reuniões vão desequilibrar isso e colocar todos em risco. Sabemos o que fazer. Mas há aqueles que não o farão. Para esses, não mais adiantam argumentos racionais. A esses, como dizia a canção de Jagger, só resta desaparecer.
Na Europa, como no resto do mundo, os cientistas que trabalharam arduamente toda a pandemia acompanham incrédulos os avanços bélicos da Rússia. Já era difícil de entender que muitas guerras na África e no Oriente não pararam nem durante a pandemia. Mas uma iniciativa da Rússia tem implicações globais.
Há alguns dias, a revista Nature trouxe o depoimento de cientistas ucranianos sobre as possíveis consequências da ocupação de seu país pelos russos, agora já uma realidade iminente. Todos lembram que há pouco tempo — 2013 — uma onda de protestos culminou na troca de um governo pró-Rússia por um pró-europeu. Foi quando a Rússia tomou a Criméia, que é parte da Ucrânia. Os cientistas contam que as instituições de pesquisa da Criméia passaram a ser controladas pelos russos.
Sabemos que ciência na Rússia é complicado. Fazer ciência requer transparência. Requer liberdade de escolha. Duas coisas não muito populares entre governos russos. Como resultado, quase duas dezenas de universidades ucranianas foram realocadas para outras partes do país. A população perdeu suas casas; os cientistas perderam seus laboratórios. A ciência, como a vida, fica suspensa.
Com a ameaça de ocupação, os cientistas ucranianos mais uma vez se organizam para resistir. Algumas universidades mais próximas da fronteira já separaram equipamento essencial e documentos para uma retirada estratégica. Os cientistas mantêm malas prontas. O caos econômico e político vai impossibilitar o trabalho; eles preparam-se para o êxodo em massa. Mesmo com dor, não haverá hesitação: a ciência, como a vida, precisa continuar.