Se você pudesse viver por muito tempo, quanto seria? Em um laboratório na periferia de San Francisco, na Califórnia, prédios de tijolinhos abrigam uma gigantesca colônia de toupeiras nuas, o chamado naked mole rat. Essas colônias são subterrâneas, e os animais vivem ali de forma cooperativa, liderados por uma rainha, como as abelhas. Há dois outros fatos sobre esses animais, mais interessantes do que ter uma fêmea líder. Em primeiro lugar, toupeiras vivem em média 30 anos, 10 vezes mais do que seus parentes próximos, os ratos, que vivem apenas três. Segundo: toupeiras não desenvolvem câncer. Apenas uma placa simples, em frente aos prédios, sinaliza que esse é o quartel-general da Calico, uma empresa iniciada por Larry Page, cofundador da Google. A missão da Calico: descobrir como prolongar a vida dos seres humanos.
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Loucura? Só em 2016, a Calico recebeu de duas companhias afiliadas ao Google US$ 1,5 bilhão para um único projeto: entender por que a toupeira é diferente. O orçamento inteiro do Brasil para ciência e tecnologia, em 2017, é US$ 1,8 bilhão (R$ 6,4 bilhões), e isso para todas as ciências.
O Google contratou cientistas com determinado perfil, deu-lhes um orçamento bilionário e lhes disse: perguntem o que acham importante descobrir, e descubram. A Calico faz pesquisa básica – estimam que apenas daqui a 10 anos terão algo novo a dizer. Praticamente não publica resultados e faz os visitantes assinarem contratos de confidencialidade. Estudos em envelhecimento são caros – os modelos demoram muitos anos para morrer, e, portanto, o investimento, de alto risco, não tem data para terminar. Essa abordagem, em que as perguntas vão levar às descobertas, é o oposto do que fazem as grandes empresas farmacêuticas. Elas escolhem alvos e buscam moléculas inibitórias, investindo mais de US$ 40 bilhões anuais no desenvolvimento de cada droga. Pode parecer que essa seria uma estratégia mais eficiente de investigação, sem desperdício de recursos. Contudo, apenas 10% das drogas investigadas chegam ao mercado.
O que o Google saberia que outras empresas não? Nada. A estratégia de Larry Page é inspirada nos famosos Laboratórios Bell. Hoje chamados Nokia Labs, foram fundados no fim do século 19 por Alexander Graham Bell, com 10 mil francos que ele ganhou do governo francês pela invenção do telefone. Ali, pesquisava-se o som e a tecnologia de telefones, mas havia uma divisão apenas de pesquisa básica, que se tornou famosa por originar oito prêmios Nobel e três prêmios Turing (em ciência da computação). Entre esses, a natureza ondulatória da matéria, os transistores, a radiação de micro-ondas cósmicas e o sistema operacional Unix. Ficção científica um dia deixa de ser ficção e torna-se ciência.
A receita para isso é antiga, e sua eficiência, comprovada: concentrar as melhores mentes, dar-lhes liberdade e um orçamento de peso. Os resultados dependem de quem encomenda: pode resultar em aplicações do magnetismo, na construção da bomba atômica, ou na vida (quase) eterna. Um país que aplicasse a receita poderia encomendar que milhões de pessoas deixassem de morrer de dengue, ou de câncer, ou de fome. Assim será sempre. E, enquanto alguns multiplicarão seus bilhões estudando as toupeiras, outros viverão um pouco como elas, cegos, enterrando-se cada vez mais, fingindo que não sabem o que precisa ser feito.