As pessoas se dividem em dois grupos distintos quanto à maneira de se relacionar com o idioma: os despreocupados e os aflitos. Os dois grupos têm o Português como língua materna e dela se valem para falar e escrever, mas há uma diferença crucial nas suas atitudes. O primeiro, mais feliz, utiliza a linguagem sem prestar nela muita atenção; o outro, porém, jamais deixa de se preocupar com a escolha das palavras e o apuro de sua sintaxe, consultando o dicionário e a gramática à menor hesitação. Ambas as posições implicam lá suas perdas e seus ganhos; eu, por ofício e formação, fico com a segunda – assim como você, prezado leitor, ou não estaria lendo esta coluna.
Por razões óbvias, fazem parte deste clube dos aflitos todos os jornalistas que conheço, que passam o dia, ou melhor, a vida inteira escrevendo. Não me espantei, portanto, de receber, na semana passada, um apelo da nossa Rosane de Oliveira em pessoa, que pediu, na sua coluna dominical na ZH, que eu desse minha opinião sobre alguns itens de sua extensa "coleção de implicâncias" linguísticas.
Encabeçando sua lista negra está "a ascensão de tipo à categoria de rainha das palavras", espécie de praga, diz ela, que "se intrometeu nas frases de meio mundo, como um Aedes aegypti do idioma". Ora, aprendemos com o Mestre Luft que na língua nada ou quase nada ocorre por acaso; para entender, portanto, o que torna esta palavra tão atraente para milhões de usuários, temos de começar perguntando para que diabos ela serve.
Pois tipo é aquilo que se chama de moderador (downtoner, dizem os linguistas ingleses), elemento que atenua o significado daquilo que vem depois dele. Ele vem se juntar a um colega tradicional, o meio que, que já frequenta escritores: "Aí, meio que desanimei" (J.S. Lopes Neto); "Meio que esquecera a distribuição dos sanduíches" (Mário de Andrade); "Se seu Marrinha arranjar o merenguém, eu meio que pago a cerveja" (G. Rosa); "A cabeleira já meio querendo branquear" (E. Veríssimo).
Embora muitas vezes não passe de um simples e irritante cacoete, tipo pode ser usado, na linguagem informal, para deixar claro que estamos relatando "por cima" o que outra pessoa disse ("Mandou um recado para ela, tipo que a achava linda, etc."). Ele também é útil para avisar ao leitor que não temos (por deficiência nossa ou por falta da palavra exata) uma forma precisa para expressar o que pretendíamos: "No filme, o vampiro tipo que morreu, mas depois ele voltou", "Quando acelero um pouco mais, o motor tipo que afoga".
Um motivo moderníssimo para o prestígio da palavra pode ser também a pressão avassaladora da mídia moderna e das redes sociais sobre nós, que nos leva à autocensura. Como tudo o que dissermos publicamente será submetido ao exame microscópico e obsessivo da comunidade, podendo atrair raios e trovões sobre nossa cabeça, a prudência recomenda esse recuo estratégico: "Eu diria que ela tipo que plagiou a entrevista", "Ele tipo que abandonou a família" ou (uma obra-prima!) "Ao assumir o cargo, ficou tipo meio que arrogante". Como se vê, é feio, é tosco, mas veio para ficar.
(continua)
Cláudio Moreno, escritor e professor, escreve quinzenalmente às quintas-feiras.