Tudo indica que em poucos anos o Brasil vai ser um país de maioria evangélica. Missionários (batistas, luteranos, calvinistas), pentecostais (o grupo mais numeroso, liderado por igrejas como Assembleia de Deus e Deus é Amor) e neopentecostais (vertente da teologia da prosperidade, representada pela Igreja Universal e outras denominações menores) já são mais de 30% dos brasileiros. Em 1990, não chegavam a 10%.
Para quem, como eu, faz parte dos 10% sem religião, a troca de posto entre católicos e evangélicos importaria pouco ou quase nada – contanto que a separação entre Igreja e Estado continuasse garantida. Infelizmente não é o que prega a chamada “teologia do domínio”. Você pode nunca ter ouvido falar, mas com certeza conhece os princípios dessa corrente do ultraconservadorismo cristão que vem ganhando cada vez mais espaço na política brasileira. Pense Damares, pense Cabo Daciolo, pense Michelle Bolsonaro, pense Nikolas Ferreira.
Dominionistas sonham com um governo em que os autointitulados representantes de Deus na terra possam definir as regras do jogo conforme suas próprias crenças, independentemente do que diz a Constituição – o que torna a corte suprema um dos seus malvados favoritos. Os que defendem o Estado laico não são considerados meros adversários políticos, mas o próprio Belzebu disfarçado. “Fomos negligentes ao não misturar religião e política e o mal tomou o espaço”, disse Michelle Bolsonaro em um discurso no início do ano. Nós acima de todos, nosso Deus acima de tudo.
O dominionismo e a invasão do espaço público pelo discurso fundamentalista são abordados em Apocalipse nos Trópicos, documentário apresentado no Festival de Cinema de Nova York na semana passada. Indicada ao Oscar em 2019 pelo filme Democracia em Vertigem, a diretora Petra Costa volta a Brasília para tentar entender como a bancada evangélica se transformou em uma das forças políticas mais influentes do país.
Lula, Bolsonaro e outros políticos estão entre os entrevistados do documentário, assim como eleitores evangélicos de diferentes inclinações ideológicas, mas ninguém fica mais tempo em cena do que Silas Malafaia. Sempre à vontade diante das câmeras, o telepastor prega a doutrina do odiai-vos uns aos outros com diabólica franqueza.
Paradoxo nada paradoxal: quanto mais a religião avança sobre a política, mais aumentam as denúncias de intolerância religiosa. Só o Estado laico salva.