Em uma entrevista de duas horas concedida ao empresário Elon Musk na semana passada, Donald Trump disse ao seu mais poderoso apoiador que, em caso de derrota, o próximo encontro da dupla seria possivelmente na Venezuela: “Um lugar muito mais seguro do que os EUA”. Metade das coisas que o ex-presidente americano diz é mentira, a outra é bravata – e em geral os dois fluxos de inconsciência se misturam. Mas, ao imaginar um convescote da direita em Caracas, Trump pode ter admitido uma afinidade com a ditadura de Nicolás Maduro menos absurda do que parece.
O laço nem tão invisível que une líderes da extrema direita a representantes de regimes tão ideologicamente diversos quanto as ditaduras de Venezuela, Rússia, China e Irã e as democracias iliberais de Turquia, Índia, Filipinas e Hungria, entre outros tantos da mesma estirpe, é o tema do recém-lançado Autocracy, Inc.: The Dictators Who Want to Run the World, da jornalista e historiadora americana Anne Applebaum.
O livro é dedicado “aos otimistas”, o que soa quase como ironia. Applebaum lembra que entre a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o 11 de Setembro, em 2001, o mundo viveu um breve intervalo de otimismo (e ingenuidade) em relação ao futuro da democracia. Para boa parte dos analistas da época, os ideais democráticos iriam se espalhar naturalmente, como refrões da Taylor Swift, em um mundo interconectado por interesses econômicos.
Também a internet, desde o ponto de vista pré-histórico dos anos 1990, parecia a ferramenta perfeita para romper as barreiras da censura e ampliar o alcance de movimentos em defesa da liberdade e da democracia. O que aconteceu foi mais ou menos o contrário, lamenta Applebaum.
1) Os regimes antidemocráticos não apenas continuaram existindo como aperfeiçoaram as ficções que os legitimam (o fato de parte da esquerda brasileira sentir-se desconfortável em qualificar Venezuela, Nicarágua e Cuba como ditaduras é uma boa ilustração do buraco em que a democracia se meteu).
2) A mesma ferramenta que deveria dificultar a censura ampliou a distorção dos fatos, a manipulação de emoções primárias, a difamação e o caos informacional.
Nesse ambiente, as autocracias modernas desenvolveram estratégias para apoiar-se mutuamente, intercambiando investimentos, tecnologias e narrativas. Não como um bloco unido pela ideologia, como antigamente, mas como um conglomerado de empresas trabalhando em conjunto pelo objetivo bastante pragmático de barrar iniciativas de transparência, reprimir opositores e perpetuar-se no poder.