Ninguém me perguntou, mas andei, sim, pensando no Império Romano quase todos os dias nos últimos tempos. Aparentemente, eu e boa parte da população masculina do planeta.
A brincadeira começou em agosto na conta @gaiusflavius, do Instagram, e em seguida se espalhou por outras redes sociais. Mulheres deveriam perguntar aos homens da sua vida com que frequência eles pensavam em temas relacionados ao Império Romano. Nunca? De vez em quando? Todos os dias? Os vídeos com as respostas viralizaram. Para surpresa de filhas, amigas e namoradas (e rebuliço da internet), uma quantidade considerável dos homens parecia confirmar a tese maluca de que a Roma Antiga ocupa um insuspeitado latifúndio no setor de assuntos aleatórios do imaginário masculino. Não é exatamente o meu caso. Andei pensando no Império Romano mais do que o normal por um motivo bem específico: acabei de ler O Reino, de Emmanuel Carrère.
Para contar a história dos primeiros anos da minúscula dissidência do judaísmo que se tornaria religião oficial de Roma no final do século 4, o escritor francês acompanha as andanças de Paulo e Lucas por diferentes territórios do império. E como Carrère não escreve sobre qualquer assunto sem falar também sobre si mesmo, umas boas 80 páginas do livro são dedicadas ao breve período em que o escritor, em meio a uma crise pessoal, trocou seu habitual agnosticismo pelas crenças e rituais da igreja católica.
Não é fácil reconstituir as décadas iniciais do cristianismo sem se valer de uma boa dose de imaginação. Carrère recorre aos historiadores, mas, às vezes, só a invenção salva. O que se perde em rigor histórico ganha-se em colorido literário. Paulo, Lucas e outros personagens do livro ganham contornos mais nítidos na descrição de um autor que é mezzo pesquisador, mezzo ficcionista. O mesmo vale, claro, para o ambiente em que a ação transcorre. Carrère não inventa uma Roma que não existiu, mas consegue aproximá-la da sensibilidade dos seus contemporâneos – mágica que artistas e historiadores de todas as épocas vêm reencenando há pelo menos 2 mil anos.
Autor de outro livro sobre o mesmo tema, Domínio: O cristianismo e a criação da mentalidade ocidental, lançado no Brasil no ano passado, o historiador britânico Tom Holland foi convidado a dar seu pitaco sobre a renovada popularidade do Império Romano nas redes sociais. Para Holland, quando as pessoas do século 21 pensam em Roma, estão pensando em uma civilização que é ao mesmo tempo estranha e familiar, aterrorizante e glamourosa, extinta, porém ainda muito viva no cotidiano: no direito, na filosofia, na ciência política, na literatura, no cinema, na arquitetura, claro, mas também em todos os sonhos excêntricos de dominação e poder que sobressaltam o planeta de tempos em tempos.