Quando “selfie” foi escolhida a palavra do ano, em 2013, a ideia de tirar uma foto de mim mesma nunca havia me ocorrido antes. Sorrir para um celular erguido no ar pelo meu próprio braço ou fazer pose na frente de um espelho ainda me parecia um troço esquisito, para dizer o mínimo. Dez anos mais tarde, ninguém vai ficar surpreso se eu contar que tenho mais retratos no celular do que em todos os meus álbuns de fotografias das décadas anteriores.
Por algum motivo, a maior parte dessas imagens desperta em mim a sensação de que a pessoa que aparece na foto não é a mesma que eu vejo no espelho. Às vezes, mais por acaso do que por técnica, parece haver uma rara coincidência entre o eu captado e o eu imaginado. Nesses casos, o setor de Gerenciamento de Imagem Pública e Autocrítica Estética colocado em operação, sem que eu me desse conta, em algum momento dos últimos 10 anos, aprova a foto para postagem – desde que em ocasiões pontuais, para não passar a impressão de que estou enamorada de mim mesma ou desesperada por likes. Ou seja: para ser compartilhada, a foto tem que obedecer a um padrão estético (não assustar ninguém) e a outro, digamos, moral. É quase um milagre que eu ainda poste selfies de vez em quando.
Na última década, aprendemos que a carga emocional envolvida na administração da própria imagem pode ser opressiva e até mesmo dolorosa. “O espelho adoece a alma”, anotou o teólogo belga Lawrence Beyerlinck, quatro séculos antes de os consultórios ficarem lotados de jovens com dificuldade para lidar com a aparência que veem refletida no poço sem fundo das redes sociais. Muita gente vem pensando e escrevendo sobre o peso da comparação permanente, mas nem sempre o resultado é acessível para aqueles que mais poderiam se beneficiar de uma reflexão mais profunda sobre o assunto: os próprios adolescentes.
A quadrinista sueca Liv Strömquist resolveu dar um jeito nisso, traduzindo para a linguagem simples e direta dos quadrinhos as ideias de pensadores como René Girard, Susan Sontag, Byung-Chul Han e Simone Weil, entre outros, sobre temas como beleza, obsessão por celebridades e a óbvia conexão entre a frustração gerada por padrões inacessíveis, muitas vezes irreais, e o impulso de consumir seja lá o que for para atingir “a perfeição”.
O gibi Sala dos Espelhos – Autoimagem em transe, ou beleza e autenticidade como mercadoria na era dos likes & outras encenações do eu (Companhia das Letras) é leitura obrigatória para qualquer adolescente ou jovem que você conhece. E para adultos cheios de selfies no celular também.