A poucos meses de completar 50 anos, o Fantástico colocou no ar uma edição que já nasceu histórica. Dedicado em boa parte aos ataques golpistas em Brasília e com imagens inéditas extraídas das câmeras de segurança do Palácio do Planalto, o Fantástico do último dia 15 de janeiro exibiu duas vezes a mesma reportagem – decisão, até onde eu sei, inédita na história do programa. “Nós vamos reprisar essa reportagem agora para quem não teve a oportunidade de ver mais cedo. É um documento que precisa ficar na nossa memória, para que as verdadeiras pessoas de bem digam não ao vandalismo, não à violência e ao ódio de radicais que não aceitam a escolha da maioria do povo brasileiro”, justificou a apresentadora Poliana Abritta.
Ao exibir duas vezes, com poucos minutos de intervalo, as mesmas cenas chocantes, a Globo assinalou, com a devida ênfase, a gravidade dos acontecimentos. Não apenas para os seus espectadores, mas para a História.
Infelizmente, a maioria dos que continuam apoiando os atos golpistas de 8 de janeiro permanece tão intoxicada por versões delirantes (“foram os infiltrados!”, “foi uma armadilha!”) que nem mesmo um looping infinito das imagens de vandalismo seria capaz de interromper o transe. Não por acaso, essas mesmas pessoas costumam evitar conteúdos que não confirmem seus pontos de vista – o que, no caso da tentativa de golpe, implica descartar e hostilizar os maiores veículos de comunicação do Brasil e do mundo. (Se fizesse algum sentido, vamos combinar, seria a maior e mais bem-sucedida conspiração da Terra.)
Enquanto isso, jornalistas continuam trabalhando para que os fatos sejam mais eloquentes do que as teorias conspiratórias. Nos EUA, já se contam às dezenas as reportagens e documentários que nos últimos dois anos investigaram diferentes aspectos da invasão do Capitólio, modelo da nossa intentona. No Brasil, a excelente (e obrigatória) série documental Extremistas.br, dirigida por Caio Cavechini, sai na frente no quesito timing perfeito: estreou na Globoplay apenas três dias depois dos ataques. O material vinha sendo produzido desde 2021, mas foi atualizado para incluir cenas do dia 8 de janeiro. A série examina de perto alguns dos principais elementos do ambiente de radicalismo político que culminou com o quebra-quebra em Brasília: as fake news e a fabricação da “indignação”, a disseminação do medo e da paranoia, o culto às armas e à militarização, a instrumentalização das igrejas, a guerra cultural.
Não conte para o seu tio do zap que torce por um golpe militar e despreza os ritos da democracia, mas a História está sendo escrita não pelos conspiracionistas em quem ele confia, mas pelos jornalistas e veículos de imprensa que ele mais detesta.