Adoro filmes de tribunal, mas nunca tive interesse em assistir à transmissão ao vivo de um julgamento. Filmes de tribunal, por piores que sejam, sempre colocam em cena uma síntese dos argumentos em disputa. O tribunal em tempo real, por sua vez, pode ser surpreendente ou mesmo eletrizante em alguns momentos, mas quem decide parar para assistir é obrigado a aturar todas as minúcias aborrecidas que compõem o caso. Falta edição à realidade.
Grandes filmes de tribunal – como 12 Homens e uma Sentença (1957), Testemunha de Acusação (1957), Julgamento em Nuremberg (1961) e O Sol é Para Todos (1962), para citar apenas alguns clássicos do gênero – organizam o enredo de forma a emprestar aos fatos um sentido que ultrapassa o processo jurídico em si. O tribunal ao vivo, ao contrário, é a vida à revelia, sem ordem, sem moral da história e, não raramente, sem justiça. Às vezes, um julgamento de mentira, regido pela lógica da arte, nos aproxima mais da verdade do que um tribunal de verdade roteirizado por advogados e interpretado por amadores.
Alguém já disse que a vida não imita a arte, mas um programa de televisão ruim. Deve ser por isso que, de tempos em tempos, julgamentos reais são consumidos como entretenimento pelo público. É o caso do embate entre Johnny Depp e Amber Heard, que se acusam mutuamente de abuso e difamação durante o curto período em que estiveram casados. A transmissão ao vivo dos depoimentos tornou-se a minissérie mais comentada dos Estados Unidos nas últimas seis semanas, oferecendo aos espectadores todos os elementos que costumam garantir o sucesso de reality shows convencionais: inconfidências, barracos, lágrimas e ranger de dentes, além de torcidas no Twitter, clipes no TikTok, hashtags e esquetes nos programas de humor da televisão americana.
A necropsia do relacionamento de Johnny Depp e Amber Heard reduziu a intimidade do casal a uma espécie de rinha de galos conjugal, em que a mal disfarçada expectativa das duas torcidas (a dele muito maior do que a dela) é a de assistir à destruição mútua dos dois adversários. Ver o amor transformado no seu exato oposto acaba sendo como passar por um acidente violento na estrada: uma curiosidade superficial pelo destino das vítimas seguida por um alívio profundo por não se estar preso às ferragens de um carro destruído.
Para uma plateia saturada por notícias de guerras, polarização política, doenças altamente transmissíveis e catástrofes climáticas, o espetáculo da miséria existencial alheia, quem diria, é visto como refresco.